Decreto presidencial dispensou a fundação de direito privado Geap de participar de licitação para vender planos de saúde a servidores da União
Decreto assinado por Dilma dispensou plano de saúde ligado ao PT de participar de licitação para atender servidores do funcionalismo público (Roberto Stuckert Filho/PR)
Decreto assinado pela presidente Dilma Rousseff em 7 de outubro atropela o Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Tribunal de Contas da União (TCU) ao beneficiar uma entidade sob intervenção da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e que está na órbita de influência política do PT.
O ato presidencial dispensa a Geap Autogestão em Saúde, uma fundação de direito privado, de participar de licitação para vender planos de saúde para servidores da União. Com isso, a entidade não precisará concorrer com operadoras do setor privado para participar de um mercado potencial de 3 milhões de usuários e que movimenta cerca de 10 bilhões de reais por ano, de acordo com integrantes do setor.
Bastará que o órgão público interessado em contratá-la firme convênio por meio do Ministério do Planejamento, conforme o decreto publicado no Diário Oficial da União. A medida abre espaço para concentrar na Geap o atendimento ao funcionalismo público, hoje pulverizado entre 34 operadoras. No dia 8 de outubro, no mesmo dia da publicação do decreto presidencial, a Geap registrou em cartório o novo estatuto, em que confirma ser uma fundação de direito privado. A União, pelo estatuto, é a patrocinadora da entidade.
Apesar de ter recebido repasses do governo federal de mais de 1,9 bilhão de reais nos últimos 10 anos, a entidade é considerada uma caixa-preta porque não presta contas ao TCU. Em março, a ANS decretou intervenção da Geap em razão dos resultados negativos que vinha apresentando - dívida de cerca de 260 milhões de reais.
A Geap é uma entidade de autogestão em Saúde criada pelos próprios servidores para atuar originalmente em apenas quatro órgãos públicos: os ministérios da Previdência e da Saúde, a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev) e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A entidade, no entanto, firmou convênios sem licitação com cerca de outros oitenta órgãos (hoje diz atender 99, segundo informa em seu site), e atende mais de 600 mil servidores.
Na Justiça - Os acordos foram alvo de questionamentos na Justiça. Em 2004, o TCU analisou a questão e disse que a lei só permitia aos patrocinadores originais da Geap (Previdência, Saúde, Dataprev e INSS) contratá-la sem licitação - os convênios com outros órgãos não poderiam nem ser renovados. Em 2006, a Procuradoria-Geral da República deu respaldo à tese do TCU ao afirmar que não era "admissível o enquadramento do acordo firmado entre a Geap e os órgãos e entidades da administração pública, exceto seus patrocinadores". Em março deste ano, o STF negou pedido feito por dezoito associações de servidores que questionavam decisão e respaldou o TCU.
Na visão do TCU, da PGR e do Supremo, a Geap é uma entidade de direito privado e, por isso, só lhe é permitido fazer convênios com seus patrocinadores originais. A relação com qualquer outro órgão, portanto, é caracterizado como "prestação de serviço para terceiros" e deveria ser objeto de licitação.
Manobra - O decreto de Dilma permite que a Geap firme convênios com o Planejamento, pasta que gere a folha de pagamento do funcionalismo. Na prática, abre-se a possibilidade para que a Geap firme convênios com todos os servidores da União, sem licitação e sem qualquer prestação de contas dos repasses recebidos. Ao tornar a União sua patrocinadora, a Geap tenta driblar as restrições jurídicas à extensão de convênios com toda a Esplanada.
O deputado Augusto Carvalho (SDD-DF) disse que formulará um decreto legislativo para sustar os efeitos do decreto presidencial. "É inconstitucional, uma aberração, uma afronta." Carvalho pretende também solicitar ao Supremo que torne pública a decisão sobre o tema. "Até hoje não foi publicado o acórdão", disse o deputado.
Relator de uma proposta de Fiscalização e controle na Comissão de Defesa do Consumidor para investigar convênios da Geap, o deputado Antônio Reguffe (PDT-DF) disse que se surpreendeu com o decreto. "Uma vez que a Geap foi considerada pela Justiça como uma empresa privada, deveria haver uma licitação para que fosse escolhida a empresa que melhor atendesse o interesse público ou o governo teria que criar uma empresa estatal para tocar o plano de seus servidores. Agora, quem vai fiscalizar isso, se o TCU se julga incapaz de fiscalizar porque considera uma empresa privada?", declarou.
A Geap teve como dirigentes quadros do PT e está sob a influência do partido - os ministérios patrocinadores indicavam seus dirigentes.
A nova diretoria da Geap foi definida na última sexta-feira, mas os nomes dos seis conselheiros ainda não foram divulgados nem pela ANS nem pelo Ministério do Planejamento.
Outro lado - O Ministério do Planejamento diz que foi realizada uma operação para "readequar" a condição da Geap Autogestão em Saúde às exigências impostas pela Justiça. "Foi feita uma readequação para harmonizar modelo com a recomendação do STF e TCU", disse a secretária de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, Ana de Brito.
Segundo ela, a fundação que até outubro deste ano chamava-se Geap Fundação de Seguridade Social foi extinta e deu lugar a duas entidades distintas e com objetos diferentes: a Geap Autogestão em Saúde e a Geap Previdência.
Ana de Brito afirma que o novo estatuto permite à empresa firmar convênios com o Ministério do Planejamento. "A decisão final de firmar o convênio é do servidor", disse a secretária.
"A situação de patrocinadores originais já não existe mais. Agora temos uma nova situação, com novo estatuto social e novas regras, ficando a União responsável para celebrar convênio único com a Geap", informou o ministério por meio de nota. O estatuto também prevê que, além da União, a Geap firme convênios também com estados e municípios.
A Geap Autogestão em Saúde, empresa que "herdou" o CNPJ da original, teve o estatuto registrado em cartório em 8 de outubro de 2013, no dia da publicação do decreto presidencial que autorizou a empresa a firmar convênios com o Planejamento.
(Com Estadão Conteúdo)
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