terça-feira, 14 de maio de 2013

Cartas de Londres: britânicos que levam a vida na flauta



Mauricio Savarese
É comum que os britânicos pensem nos imigrantes como grandes usuários dos benefícios que criaram. Falam em cortar, dificultar a entrada e barrar vistos de trabalho. Julgam muitos como ingratos, porque supostamente ficam recebendo do governo para não fazerem nada. “Muitos não trabalham bem e vêm por isso”, diz uma colega. Minha experiência até agora, no entanto, é outra. É com o pouco que os londrinos trabalham.
Não é uma regra geral, há britânicos muito esforçados. Mas pergunte a um deles se trabalha mais de 40 horas semanais. A resposta quase sempre será não. Pergunte quando vão ao bar. Às vezes é mais fácil dizerem quando não vão. Estudar para provas? Não falta quem comece dias antes -- e passam, porque o nível exigido nem sempre é inalcançável (ao menos para quem é daqui).
Sempre que conto das jornadas de 15 horas dos repórteres em Brasília, jornalistas daqui se chocam. “Pode até acontecer em uma crise, mas não é o hábito em nenhuma profissão”, disse um deles, com experiência em Copas do Mundo. Um colega reclamou por ter trabalhado 12 horas no dia da morte de Hugo Chávez. “Foi a primeira vez em três anos”, contou.
Uma crença comum dos poucos daqui que pensam no Brasil é a do povo “relaxado”, que curte praia e não se estressa. As mulheres imaginam um lugar que cultua o corpo e um dia-a-dia bucólico, onde o trabalho é acidental. Já os homens falam em se aposentar para curtirem mulheres sempre dispostas (na fantasia deles) e de anos de vadiagem absoluta. Acho que nessa a culpa não é nossa.


Para muitos, espanhois e gregos são especialmente preguiçosos. A justificativa é a dasiesta no início da tarde. “Aqui nós não temos essas facilidades todas, não é à toa que eles estão em crise”, me diz um colega que viveu na França e também se impressionou com a suposta falta de entusiasmo local. “Em Lyon, às 16h já estavam todos no bar. Aqui nós só vamos depois das 17h”. Fico em silêncio.
Não que trabalhar além do horário comercial seja uma grande vantagem. Melhor seria se todos trabalhássemos menos. Mas não deixa de ser curioso que os londrinos mesmo em sua crise econômica (menos profunda, mas ainda sim crise) tenham uma imagem tão generosa de si mesmos como esforçados.
Esforçados, mas que secretamente torcem para que a conta do bar seja cobrada no fim da noite pelo imigrante culpado por fazer jornada dupla.

Mauricio Savarese é mestrando em Jornalismo Interativo pela City University London. Foi repórter da agência Reuters e do site UOL. Freelancer da revista britânica FourFourTwo e autor do blog A Brazilian Operating in This Area.Twitter:@msavarese.

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