- Pequenos empresários pagaram de 10% a 32% do valor do imóvel
BRASÍLIA — Pequenos construtores subcontratados para tocar obras do Minha Casa Minha Vida (MCMV) em municípios com menos de 50 mil habitantes revelam que só conseguiam entrar no programa se pagassem propina à empresa RCA Assessoria. Segundo empresários ouvidos pelo GLOBO, a empresa montada por ex-funcionários do Ministério das Cidades cobrava das empreiteiras uma taxa que variava de 10% a 32% do valor do imóvel construído. Em alguns casos, o pedágio teria inviabilizado o trabalho e as obras acabaram sendo abandonadas. Apesar das declarações dos empreiteiros, a RCA nega cobrar qualquer taxa das construtoras.
Em processo judicial movido por outro ex-servidor do Ministério das Cidades, que alega ter sido sócio oculto da RCA, Nolasco é acusado de montar um esquema de empresas de fachadas para fraudar o MCMV.Uma das empresas repassou mais de R$ 500 mil para a RCA. O dinheiro era depositado na conta da construtora Souza e Lima, criada pelo gerente-geral da RCA, Valmir Lima, e por Valdemar de Souza Júnior, engenheiro da RCA. Os construtores dizem que quem fechava a negociação era o sócio da RCA Daniel Vital Nolasco, ex-diretor de Produção Habitacional do Ministério das Cidades, filiado ao PCdoB.
“Não vou pagar mais. Exauri”
O dono da KL Construções, Rubens Amaral, afirmou ao GLOBO que repassou mais de R$ 400 mil para a RCA liberar o dinheiro das casas populares que construiu no Maranhão. Amaral contou que sofreu represálias quando não transferiu adiantadamente os recursos do pedágio. Segundo ele, assim que o alicerce da casa ficava pronto, metade dos 13% acordados tinha de ser repassada. Amaral garante que depois que O GLOBO revelou, há duas semanas, que os ex-servidores criaram um esquema de empresas de fachada para operar o programa, tem recebido os recursos com mais facilidade.
— Agora, eles mandaram o dinheiro por causa do escândalo — diz o empresário. — Mas eu não vou pagar mais. Eu não aguento mais. Exauri.
Os recursos para as obras são liberados pelo Ministério das Cidades para o banco Luso Brasileiro, e a RCA atua como correspondente bancária da instituição. Amaral relata que questionou o Luso Brasileiro sobre a cobrança indevida do pedágio, já que o banco era o responsável pelo repasse do dinheiro público. Segundo ele, a resposta foi que o banco não cobrava nada e que ele pagava o dinheiro porque queria.
Em cidades com menos de 50 mil habitantes, os repasses dos recursos do Orçamento da União para o Minha Casa Minha Vida não necessariamente são feitos pela Caixa Econômica Federal ou pelo Banco do Brasil.
O banco Luso Brasileiro é uma das instituições financeiras que tem a RCA como correspondente bancária. Foi ao banco que uma outra pequena empreiteira, a Del Rey, endereçou um ofício para denunciar que pagou R$ 570 mil ao grupo. Na correspondência ao presidente da instituição, com data de 5 de dezembro de 2011, o dono da Del Rey, por meio de seu advogado, afirmou que não conseguia receber por serviços feitos por não estar com a taxa em dia. E teria alertado que a cobrança inviabilizaria o restante das obras.
“A construtora Del Rey Comércio e Representações Ltda. já não suporta pagar a referida ‘taxa’ já que em razão dessa cobrança suas obras junto ao programa MCMV sub 50 estão bastante atrasadas, haja vista que, consoante comprovantes em anexo, já foi pago (sic) mais de R$ 570.000,00 só de taxa”, diz o ofício.
Só de janeiro a junho de 2011, a Del Rey repassou R$ 337.985 ao grupo. Essa é a soma dos valores de vários comprovantes bancários de transferências eletrônicas feitas à Souza e Lima. O dono da construtora Del Rey não foi encontrado para comentar o caso. Segundo um amigo, tem medo de represálias. O Luso Brasileiro diz que nunca recebeu a denúncia, mas confirma que a construtora abandonou as obras na cidade de Junco do Maranhão.
— A Del Rey veio para construir, mas não deu conta de fazer — garantiu Antônio Ramos, representante da prefeitura de Junco do Maranhão na comissão que monitorou a construção.
Ramos diz que o mesmo problema ocorreu em cidades vizinhas como Luiz Domingues e Cândido Mendes. Um documento assinado por Iltamar de Araújo Pereira, ex-prefeito de Junco do Maranhão — que atesta o andamento de obra na cidade —, está endereçado a Valmir Lima. No ofício, Valmir é tratado como gerente-geral da RCA.
"Se não pagar, não faz a obra”
A construção de casas do programa de habitação do governo começou em 2011, justamente quando os comprovantes mostram que a propina foi paga. A Souza e Lima, empresa que está no nome de Valmir, foi criada em 2009.
Também foi para Valmir Lima que outro construtor do Maranhão também diz ter pago a comissão. Raimundo Livramento, dono da SC Construções, conta que, além de ser da RCA, Valmir se apresentava como representante da prefeitura de Marajá do Sena. O construtor diz que pagou R$ 36 mil de pedágio para ter o direito de construir 30 casas. Ele iniciou a construção de outras 30 residências, mas não terminou as casas porque se recusou a pagar a taxa.
— O problema é que, se não pagar a propina, não faz a obra. Tomaram a obra por eu não ter pago a propina. É um absurdo muito grande — disse Raimundo Livramento.
Jeziel Nunes, dono da Terra Nova Engenharia, disse que se recusou a pagar a taxa logo no início do relacionamento com a RCA. Segundo ele, Daniel Nolasco ainda teria tentado negociar. Jeziel diz ter advertido que, se Nolasco insistisse, denunciaria o esquema às autoridades. A construtora conseguiu fazer 30 casas e depois, segundo ele, foi excluída do programa habitacional.
— Eles são picaretas mesmo. Esse pessoal tem de estar na cadeia — diz Jeziel.
Numa ação judicial, Fernando Lopes Borges, que se diz sócio oculto da RCA, afirma que Valmir Lima e Valdemar de Souza Júnior são empregados da empresa. Ele garante que a Souza e Lima é uma das empresas fantasmas do grupo. A sede seria na casa de Valdemar, na Freguesia do Ó, em São Paulo.
Além do Luso Brasileiro, a RCA representa os bancos Bonsucesso, Paulista, Schahin, Tricury e Morada. Juntas, essas instituições foram responsáveis pela construção de 113 mil unidades habitacionais. O Ministério das Cidades não sabe quantas obras foram intermediadas pela RCA. A empresa diz que já entregou 80 mil casas populares.
Uma auditoria foi aberta no Ministério das Cidades para investigar o caso. O Senado aprovou um requerimento para que o Tribunal de Contas da União faça uma auditoria no MCMV.
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