Gabriela Antunes
A Argentina é um país de gente que pinta e desenha. É a pátria mãe de Roberto Fontanarrosa, Quino (mão por detrás da pequena intelectual que conquistou o mundo, Mafalda), Maitena, Liniers e tantos outros. Um país cujo imaginário coletivo se encontra ilustrado em tirinhas, desenhos ecomics. Celeiro de ilustradores, o país vem derramando em tinta sua história.
Nesta semana, no entanto, perdeu um de seus grandes nomes: Manuel García Ferré. Uma espécie de “Mauricio de Souza” para os argentinos, Ferré foi criador de personagens que acompanharam muitos hermanos durante décadas, como Hijitus, Larguirucho, Anteojito e Petete.
Refugiado de guerra, radicado na Argentina, Ferré acreditava em personagens edificantes. “Creio que, por ter sofrido a Guerra Civil Espanhola, tenha tido a ideia de personagens que sejam símbolos da compreensão e da paz”, dizia. O desenhista pode ter escapado da guerra, mas não da política.
O vínculo do desenho com a política no país vem de longa data. Já no seculo XIX, a revista Cara y Caretas trazia sátiras políticas e as primeiras caricaturas que o país viu. De lá pra cá, política e desenho não se separaram mais.
Nos dias que se seguiram à morte do Presidente Néstor Kirchner, por exemplo, a cidade foi invadida por grafites de Kirchner vestido como o emblemático personagem dos quadrinhos dos anos setenta “Eternauta”. No comic, Buenos Aires vive um momento apocalíptico em uma luta contra uma invasão alienígena.
Kirchner como eternauta (Imagem: Grafittimundo)
Os quadrinhos são vistos até hoje como uma metáfora de um país “invadido” por um golpe militar. A comparação entre Kirchner e o eternauta vem depois, graças ao trabalho do Presidente por julgar os opressores da ditadura.
Já em dias melhores, a Argentina continua berço de cartunistas de primeira linha, como Ricardo Liniers. Ex-publicitário, começou sua carreira no jornal Pg 12. Em 2002, a cartunista Maitena o apresentou aos editores do jornal La Nación, aonde vem publicando suas tirinhas desde então. “Meus quadrinhos têm uma alma meio do tango, uma coisa argentina de alimentar frustrações”, define sua obra.
Esta semana, a Argentina provou mais uma vez ser digna do título de celeiro do desenho, quando a ilustradora Isol ganhou uma espécie de Nobel da literatura infantil, Astrid Lindgren Memorial Reward. Nascida em Buenos Aires, Isol escreveu e ilustrou sozinha seus dez livros. “Eu rio de certas misérias que temos, mas com amor e carinho. Se você não pode rir, não pode pensar e nem dormir”, explica Isol.
“Não é incrível tudo que pode caber dentro de um lápis?”, dizia o criador de Mafalda, Quino.
Gabriela Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald e mantém o blog Conexão Buenos Aires.
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