O jornalista paranaense Mauri König, repórter especial do jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, é considerado inimigo número um da polícia do Paraná. Ele coordenou uma série de reportagens sob o título "Polícia Fora da Lei", que denunciavam supostos desvios de uso do fundo rotativo da Polícia Civil e o uso irregular de viaturas destinadas ao trabalho das polícias Civil e Militar. Desde que o material foi publicado, em maio, König foi ameaçado de morte e teve que se refugiar fora do País junto com a família. O jornalista quer evitar ser o alvo de um ataque anunciado, cujo propósito seria metralhar sua residência. Os mentores do ataque, segundo o autor das ligações, seriam integrantes de uma corporação mantida com dinheiro público para defender a sociedade e que tem como lema "Servir e Proteger". ...
O trabalho jornalístico gerou mudanças nas regras do governo do Paraná para o uso dos recursos destinados à polícia e desencadeou aberturas de inquéritos civis do Ministério Público para investigar o suposto uso irregular do dinheiro. Na PM, um major e um tenente-coronel estão sendo investigados pelo uso irregular de veículo oficial.
Desde a publicação da reportagem, o celular e o telefone da casa do jornalista tocam a qualquer hora, mesmo nas madrugadas, com ameaças de morte. Em dezembro, quando o jornal voltou a publicar matérias sobre o assunto, telefonemas anônimos para a redação e direção da Gazeta do Povo alertaram sobre a presença de policiais do Rio de Janeiro que estariam em Curitiba para "metralhar a casa do Mauri".
Apesar da abertura de sindicâncias, nenhum policial foi punido. A polícia também não avançou nas investigações sobre as primeiras ameaças registradas contra König. Isolado num país distante (que não foi divulgado), intercalando momentos de depressão e de incredulidade diante do caso, König aguarda a hora de retornar ao Brasil em segurança e continuar seu trabalho.
Em nota enviada ao Terra, a secretaria da Segurança Pública do Paraná reiterou que as providências cabíveis no caso foram tomadas e que no mesmo dia em que foram relatadas as ameaças ao jornalista, um delegado da Assessoria Civil da secretaria foi designado para acompanhar o assunto, indo pessoalmente à sede da Gazeta do Povo para colher informações, prestar apoio e dar orientações aos envolvidos. No texto, a assessoria não comentou as críticas de König sobre a atuação dos autoridades de segurança do Estado.
A assessoria de comunicação do Grupo Paranaense de Comunicação, que controla a Gazeta do Povo e uma rede de oito emissoras afiliadas à Rede Globo de Televisão no Paraná, informou que as empresa não vai comentar o assunto no momento, por recomendação do departamento jurídico.
Em Brasília, a presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), ministra Maria do Rosário, encaminhou ofício ao governador do Paraná, Beto Richa, solicitando providências a respeito das denúncias de ameaça de morte contra o jornalista. O ofício assinado pela ministra solicita providências e informações sobre o andamento das investigações das ameaças. O mesmo documento foi encaminhado ao procurador-geral da República e ao superintendente regional da Polícia Federal no Paraná.
Nesta semana, durante quase uma hora, o jornalista de 46 anos e 22 de profissão conversou com o Terra sobre o caso.
Terra - Por que a escolha pela saída do Brasil?
Mauri König - A situação ficou crítica quando falaram em metralhar minha casa, onde eu e minha família seríamos o alvo. Uma pessoa que se identificou como policial, mas não revelou o nome, disse que havia policiais do Rio de Janeiro que estariam em Curitiba com este propósito. Neste mesmo dia foram três ligações. Além das ameaças me nominando pessoalmente, também disseram que seria bom a Gazeta do Povo parar de publicar notícias de corrupção na polícia do Paraná, senão seriam tornadas públicas coisas que não interessariam a diretoria do grupo que controla o jornal. Em uma destas ligações, o interlocutor deixou claro que conhecia parte de minha rotina. A saída do País foi decidida principalmente pela segurança da família.
Terra - O senhor deve receber várias ameaças provenientes de diversas denúncias que acabam não se concretizando. O fato é comum no jornalismo investigativo. O que o levou a crer que estes telefonemas poderiam revelar um perigo real?
König - Tenho recebido ligações reiteradas desde maio. O telefone toca a qualquer momento com pessoas dizendo que vão me matar, me prender ou que simplesmente ficam em silêncio. Neste caso, porém, em uma das ligações, uma pessoa ligou e disse: eu sou policial e vão metralhar a casa do Mauri. Não era uma ameaça, era um alerta e havia detalhes. Em conjunto com a direção do jornal e entidades de apoio à liberdade de imprensa, decidimos que não valeria correr o risco e preferimos acreditar no alerta. Não posso expor minha família ao perigo.
Terra - O senhor está convencido de que as ameaças tenham partido de setores da polícia do Paraná?
König - Não tenho dúvidas disso. Eu acho inclusive que o governo do Estado foi condescendente com esta situação. Ainda em maio, quando houve as ameaças pela internet, a Secretaria de Segurança Pública não moveu um dedo para descobrir o IP do computador de onde partiram as postagens com as ameaças. Estes policiais se sentiram autorizados a fazer novas ameaças, porque ameaçaram antes e não foram investigados. Houve uma negligência do governo do Estado.
Terra - Porque não houve interesse nesta investigação?
König - O governo fez pouco caso das ameaças ocorridas em maio, deu pouca importância. Então agora é fundamental que se investigue. Agora, a Gazeta do Povo informou a secretaria de Segurança Pública o número dos telefones públicos de onde partiram as ligações para descobrir quem é o policial que fez o alerta e a partir dele descobrir como ele soube desta informação. Não é uma ameaça de marginais. É uma ameaça que partiu da estrutura do Estado, de agentes públicos de segurança. É mais grave que uma ameaça de delinquentes. Não é porque é um jornalista. A investigação teria que ser feita se fosse ameaçado qualquer cidadão.
Terra - Quais os resultados que as reportagens produziram?
König - Houve uns rearranjos internos na cúpula da Polícia Civil. Alguns delegados que foram flagrados utilizando os veículos oficiais em benefício próprio foram remanejados de funções. O Conselho da Polícia Civil, cuja maioria dos integrantes foi denunciada na série de reportagens, sequer abriu sindicância para apurar as denúncias publicadas. Uma autoproteção. Que moral eles teriam para investigar? Um acobertou o outro, houve um corporativismo dentro da polícia. Resumindo: houve punições apenas para policiais que eles supunham que foram nossos informantes. Soubemos que pelo menos quatro policiais civis foram retaliados com transferências compulsórias para lugares considerados piores para o trabalho policial, porque o comando da Polícia Civil acreditou que eles contribuíram com informações para as reportagens.
Terra - Em nota oficial enviada à imprensa, a secretaria de Segurança Pública do Paraná informou que o secretário Cid Vasques tomou conhecimento das intimidações contra a equipe de jornalistas e determinou que o caso fosse acompanhado pela assessoria civil da secretaria e que um delegado já teria realizado contato com a equipe de reportagem para auxiliar nas investigações.
König - Em hipótese nenhuma. Não fizeram absolutamente nada. O apoio que recebi foi da Gazeta do Povo e do Comitê de Proteção aos Jornalistas de Nova York, que me deram proteção particular e a possibilidade de sair do País. Não recebi uma ligação sequer da Secretaria de Segurança. Não soube. Ninguém sequer me informou que tenham me procurado. Ninguém me ouviu. Desconheço esta informação. Não fui procurado por ninguém e nem fui atrás. Que segurança eu sentiria em procurá-los? Não tive apoio nenhum. Aliás, o que eu espero do governo do Estado apenas é que investigue as ameaças de que minha casa seria metralhada e localize os autores das ligações.
Terra - Como foi a reação de sua família?
König - Eu tenho três filhos. Dois adolescentes e um de três anos. É a situação mais traumática pela qual eu estou passando. Porque isso interferiu diretamente na vida deles. Todos sofreram com medo do que poderia acontecer com o pai. A rotina de meu filho de três anos mudou. Ele passou a ficar muito agitado. Minha mulher ficou traumatizada, insegura em permanecer morando em Curitiba. A angústia se estendeu até parentes preocupados com minha situação. Minha casa hoje está sob vigilância. Ninguém está morando lá, mas está sendo vigiada. É o período mais traumático para mim. Fiquei isolado do restante da família no Natal. Fui obrigado a me excluir do convívio das pessoas das quais eu gosto. Num país distante, diferente, com outra cultura, isolado. É muito deprimente. Deprimente mesmo...
Terra - O senhor escreveria a reportagem novamente se soubesse as consequências pela quais teria que passar?
König - Eu refleti bastante sobre isso. Se eu soubesse dessas consequências, eu estaria em dúvida se faria novamente. Isto implica na vida de muita gente. A intenção era contribuir com a sociedade. Mas, tenho dúvidas se faria da forma que fiz novamente. É um preço muito alto. Não interferiu apenas na minha vida. Acaba refletindo na vida da família e aí que preocupa. O que sei fazer é jornalismo e não vou deixar a profissão. Mas, vou repensar um pouco sobre isso.
Terra - Quando o senhor volta ao Brasil?
König - Não há data definida. Esperamos que as autoridades do governo do Estado possam investigar o caso e descobrir os autores das ameaças e puni-los. Não posso expor minha família, sem uma solução. Quero voltar e continuar escrevendo. Mas, não sei lhe dizer quais os próximos passos. A situação ainda está complicada.
O trabalho jornalístico gerou mudanças nas regras do governo do Paraná para o uso dos recursos destinados à polícia e desencadeou aberturas de inquéritos civis do Ministério Público para investigar o suposto uso irregular do dinheiro. Na PM, um major e um tenente-coronel estão sendo investigados pelo uso irregular de veículo oficial.
Desde a publicação da reportagem, o celular e o telefone da casa do jornalista tocam a qualquer hora, mesmo nas madrugadas, com ameaças de morte. Em dezembro, quando o jornal voltou a publicar matérias sobre o assunto, telefonemas anônimos para a redação e direção da Gazeta do Povo alertaram sobre a presença de policiais do Rio de Janeiro que estariam em Curitiba para "metralhar a casa do Mauri".
Apesar da abertura de sindicâncias, nenhum policial foi punido. A polícia também não avançou nas investigações sobre as primeiras ameaças registradas contra König. Isolado num país distante (que não foi divulgado), intercalando momentos de depressão e de incredulidade diante do caso, König aguarda a hora de retornar ao Brasil em segurança e continuar seu trabalho.
Em nota enviada ao Terra, a secretaria da Segurança Pública do Paraná reiterou que as providências cabíveis no caso foram tomadas e que no mesmo dia em que foram relatadas as ameaças ao jornalista, um delegado da Assessoria Civil da secretaria foi designado para acompanhar o assunto, indo pessoalmente à sede da Gazeta do Povo para colher informações, prestar apoio e dar orientações aos envolvidos. No texto, a assessoria não comentou as críticas de König sobre a atuação dos autoridades de segurança do Estado.
A assessoria de comunicação do Grupo Paranaense de Comunicação, que controla a Gazeta do Povo e uma rede de oito emissoras afiliadas à Rede Globo de Televisão no Paraná, informou que as empresa não vai comentar o assunto no momento, por recomendação do departamento jurídico.
Em Brasília, a presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), ministra Maria do Rosário, encaminhou ofício ao governador do Paraná, Beto Richa, solicitando providências a respeito das denúncias de ameaça de morte contra o jornalista. O ofício assinado pela ministra solicita providências e informações sobre o andamento das investigações das ameaças. O mesmo documento foi encaminhado ao procurador-geral da República e ao superintendente regional da Polícia Federal no Paraná.
Nesta semana, durante quase uma hora, o jornalista de 46 anos e 22 de profissão conversou com o Terra sobre o caso.
Terra - Por que a escolha pela saída do Brasil?
Mauri König - A situação ficou crítica quando falaram em metralhar minha casa, onde eu e minha família seríamos o alvo. Uma pessoa que se identificou como policial, mas não revelou o nome, disse que havia policiais do Rio de Janeiro que estariam em Curitiba com este propósito. Neste mesmo dia foram três ligações. Além das ameaças me nominando pessoalmente, também disseram que seria bom a Gazeta do Povo parar de publicar notícias de corrupção na polícia do Paraná, senão seriam tornadas públicas coisas que não interessariam a diretoria do grupo que controla o jornal. Em uma destas ligações, o interlocutor deixou claro que conhecia parte de minha rotina. A saída do País foi decidida principalmente pela segurança da família.
Terra - O senhor deve receber várias ameaças provenientes de diversas denúncias que acabam não se concretizando. O fato é comum no jornalismo investigativo. O que o levou a crer que estes telefonemas poderiam revelar um perigo real?
König - Tenho recebido ligações reiteradas desde maio. O telefone toca a qualquer momento com pessoas dizendo que vão me matar, me prender ou que simplesmente ficam em silêncio. Neste caso, porém, em uma das ligações, uma pessoa ligou e disse: eu sou policial e vão metralhar a casa do Mauri. Não era uma ameaça, era um alerta e havia detalhes. Em conjunto com a direção do jornal e entidades de apoio à liberdade de imprensa, decidimos que não valeria correr o risco e preferimos acreditar no alerta. Não posso expor minha família ao perigo.
Terra - O senhor está convencido de que as ameaças tenham partido de setores da polícia do Paraná?
König - Não tenho dúvidas disso. Eu acho inclusive que o governo do Estado foi condescendente com esta situação. Ainda em maio, quando houve as ameaças pela internet, a Secretaria de Segurança Pública não moveu um dedo para descobrir o IP do computador de onde partiram as postagens com as ameaças. Estes policiais se sentiram autorizados a fazer novas ameaças, porque ameaçaram antes e não foram investigados. Houve uma negligência do governo do Estado.
Terra - Porque não houve interesse nesta investigação?
König - O governo fez pouco caso das ameaças ocorridas em maio, deu pouca importância. Então agora é fundamental que se investigue. Agora, a Gazeta do Povo informou a secretaria de Segurança Pública o número dos telefones públicos de onde partiram as ligações para descobrir quem é o policial que fez o alerta e a partir dele descobrir como ele soube desta informação. Não é uma ameaça de marginais. É uma ameaça que partiu da estrutura do Estado, de agentes públicos de segurança. É mais grave que uma ameaça de delinquentes. Não é porque é um jornalista. A investigação teria que ser feita se fosse ameaçado qualquer cidadão.
Terra - Quais os resultados que as reportagens produziram?
König - Houve uns rearranjos internos na cúpula da Polícia Civil. Alguns delegados que foram flagrados utilizando os veículos oficiais em benefício próprio foram remanejados de funções. O Conselho da Polícia Civil, cuja maioria dos integrantes foi denunciada na série de reportagens, sequer abriu sindicância para apurar as denúncias publicadas. Uma autoproteção. Que moral eles teriam para investigar? Um acobertou o outro, houve um corporativismo dentro da polícia. Resumindo: houve punições apenas para policiais que eles supunham que foram nossos informantes. Soubemos que pelo menos quatro policiais civis foram retaliados com transferências compulsórias para lugares considerados piores para o trabalho policial, porque o comando da Polícia Civil acreditou que eles contribuíram com informações para as reportagens.
Terra - Em nota oficial enviada à imprensa, a secretaria de Segurança Pública do Paraná informou que o secretário Cid Vasques tomou conhecimento das intimidações contra a equipe de jornalistas e determinou que o caso fosse acompanhado pela assessoria civil da secretaria e que um delegado já teria realizado contato com a equipe de reportagem para auxiliar nas investigações.
König - Em hipótese nenhuma. Não fizeram absolutamente nada. O apoio que recebi foi da Gazeta do Povo e do Comitê de Proteção aos Jornalistas de Nova York, que me deram proteção particular e a possibilidade de sair do País. Não recebi uma ligação sequer da Secretaria de Segurança. Não soube. Ninguém sequer me informou que tenham me procurado. Ninguém me ouviu. Desconheço esta informação. Não fui procurado por ninguém e nem fui atrás. Que segurança eu sentiria em procurá-los? Não tive apoio nenhum. Aliás, o que eu espero do governo do Estado apenas é que investigue as ameaças de que minha casa seria metralhada e localize os autores das ligações.
Terra - Como foi a reação de sua família?
König - Eu tenho três filhos. Dois adolescentes e um de três anos. É a situação mais traumática pela qual eu estou passando. Porque isso interferiu diretamente na vida deles. Todos sofreram com medo do que poderia acontecer com o pai. A rotina de meu filho de três anos mudou. Ele passou a ficar muito agitado. Minha mulher ficou traumatizada, insegura em permanecer morando em Curitiba. A angústia se estendeu até parentes preocupados com minha situação. Minha casa hoje está sob vigilância. Ninguém está morando lá, mas está sendo vigiada. É o período mais traumático para mim. Fiquei isolado do restante da família no Natal. Fui obrigado a me excluir do convívio das pessoas das quais eu gosto. Num país distante, diferente, com outra cultura, isolado. É muito deprimente. Deprimente mesmo...
Terra - O senhor escreveria a reportagem novamente se soubesse as consequências pela quais teria que passar?
König - Eu refleti bastante sobre isso. Se eu soubesse dessas consequências, eu estaria em dúvida se faria novamente. Isto implica na vida de muita gente. A intenção era contribuir com a sociedade. Mas, tenho dúvidas se faria da forma que fiz novamente. É um preço muito alto. Não interferiu apenas na minha vida. Acaba refletindo na vida da família e aí que preocupa. O que sei fazer é jornalismo e não vou deixar a profissão. Mas, vou repensar um pouco sobre isso.
Terra - Quando o senhor volta ao Brasil?
König - Não há data definida. Esperamos que as autoridades do governo do Estado possam investigar o caso e descobrir os autores das ameaças e puni-los. Não posso expor minha família, sem uma solução. Quero voltar e continuar escrevendo. Mas, não sei lhe dizer quais os próximos passos. A situação ainda está complicada.
Por Calos Ohara
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