sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

A MORTE DO HOMEM RENASCENTISTA


Laurence Bittencourt,(1)     
É consenso hoje afirmar que o ideal de pessoa instruída, critica, em muitos ou quase todos os ramos do conhecimento erguido e alimentado por Aristóteles, ruiu por terra com a chegada em cena da burguesia, do capitalismo e do mundo moderno. Marx com uma obsessão fanática de todo grande intelectual judeu talvez tenha sido um dos últimos aspirantes a essa condição delineada pelo estagirita antigo.
Aristóteles, Marx e Millôr
Aristóteles, Marx e Millôr
Não é à toa que podemos colocar Karl Marx, no dizer apropriado de Charles Van Doren, como um dos grandes “chocadores” da burguesia nascente. O mundo moderno pulverizou o conhecimento antes olímpico. O mundo moderno ao fragmentar o conhecimento, deu margem ao surgimento do especialista, ou no dizer sensacional de Millôr Fernandes, “hoje sabemos cada vez mais, sobre cada vez menos”.
Perdemos com isso, ou seja, com essa mudança de postura adotada pelo homem moderno? Sim, mas também ganhamos. A diversidade implantada pelo mundo moderno deu margem ao nascimento de diversos ramos do conhecimento humano, proporcionando um leque de opções de escolha profissional como nunca se viu. Basta pensarmos nas invenções mínimas surgidas a partir do século XV.
A água potável, por exemplo, é uma delas. Sem falar no saneamento caseiro, antes impensável. Claro que a expansão na área da física, química e biologia, acarretaram muito das mudanças a que estou sugerindo. O avanço nas engenharias moldou em muito as transformações ocorridas a partir do Renascimento.
Hoje, podemos dizer sem maiores problemas que uma autoridade em determinado campo compete apenas com peritos e especialistas do seu próprio campo. Basta pensarmos que as chamadas Universidades foram divididas internamente em departamentos separados, como sendo, podemos até dizer, feudos separados. Foi inclusive o escritor C. P. Snow quem disse que “os mundos separados das universidades deixaram de falar uns com os outros”.
No entanto, é preciso notar que a expansão ocorrida não se deu apenas nas ciências chamadas materiais ou exatas. Podemos ver a mesma expansão no campo das ciências humanas. Aliás, a própria literatura foi afetada por essas mudanças, o que, claro, não poderia deixar de ter ocorrido.
Há quem diga que depois de Dante o universo de aspiração do chamado Homem Renascentista (uma espécie de sujeito que detinha um conhecimento olímpico, ou que sabia fazer bem mais que uma coisa) findou. A monumental obra construída pelo escritor italiano, “A divina comédia”, parece ter sido o último suspiro desse ideal imaginado por Aristóteles.
A questão é que com o surgimento da prensa móvel descoberta pelo alemão Gutemberg as possibilidades de alfabetização ganhou novos ares, o que permitiu, também, por exemplo, que Lutero traduzisse a Bíblia do latim para o vernáculo, para o alemão, e com isso disseminasse sua leitura. O trabalho de Lutero foi um dos maiores atos de libertação da história humana.
Aos poucos, o homem comum teve acesso a um tipo de conhecimento antes relegado a uma restritíssima elite. Foi por isso, que a literatura começou a ser permeada por personagens do dia a dia, em que o “herói aristocrata” (basta pensar nas tragédias gregas) cedeu lugar ao homem comum, ao cotidiano de todos nós. A passagem da narrativa das primeiras histórias romanescas de Tolstói (escritor russo) para as narrativas de Dostoievski representa claramente essa mudança. O universo aristotélico nunca mais foi o mesmo.
(1) Jornalista. laurenceleite@bol.com.br

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