Reportagem de André Petry, de Havana, publicada em edição impressa de VEJA
EM BUSCA DE VOZ
A ditadura exerce controle rígido sobre a informação – no rádio, no jornal, na TV, na Internet, na telefonia -, mas os cubanos estão descobrindo no Twitter sua arma de resistência
Cuba vai aonde a elite comunista quiser – até que o povo decida o contrário. Em Havana, a população vive insatisfeita, reclama da escassez, dos baixos salários e da falta de liberdade, mas não há vestígio de revolta. Essa aparente apatia é fruto também do tremendo isolamento em que os cubanos vivem.
A internet é inacessível para a maioria da população. Os canais de TV a cabo são clandestinos. Estima-se que 90% da população só tenha acesso a televisão, rádio e jornal oficiais. Por esses dias, o grosso do noticiário em Cuba era o que eles diziam ser um “clamor mundial” contra o bloqueio americano ao país, a pressão internacional pela libertação de cinco cubanos presos nos Estados Unidos e a insidiosa campanha capitalista contra a Síria e o Irã, além dos sinais evidentes do desmonte do capitalismo na Europa.
A muralha da censura em Cuba começou a sofrer um pequeno abalo em 2008, quando o presidente Raúl Castro autorizou os cubanos a comprar celulares. Hoje, num país de 11 milhões de habitantes, há 1,8 milhão de aparelhos. São caríssimos para os padrões locais. Custam entre 90 e 125 dólares, dependendo do modelo da Samsung, a única marca oferecida pela Etecsa, a estatal das comunicações. O chip sai por 40 dólares para cubanos, e por 3 dólares ao dia para estrangeiros. É pré-pago. Pagam-se 45 centavos de dólar por minuto para ligações locais. Por isso, é raro ver alguém falando ao celular na rua. Os orelhões estão por toda parte.
Mesmo assim, aconteceu algo inusitado. Contornando a proibição da internet, os cubanos começaram a usar celulares para trocar mensagens via Twitter. Facilitou a vida de Yoani Sánchez, a blogueira que, morando em Havana, noticia as mazelas do regime. Com as dificuldades de comunicação na ilha, Yoani tem mais plateia no exterior e o Twitter é o melhor meio para aumentar sua audiência no país. O Twitter também tem sido usado por jornalistas independentes, ilegais e cada vez mais numerosos. Para Yoani, a liberação dos celulares “abriu a caixa de Pandora” na ilha caribenha.
As estatísticas mais recentes indicam que há 750 000 computadores em Cuba, com quase 2,6 milhões de usuários – dos quais 450 000, por razões profissionais, são autorizados pelo governo a conectar-se à internet. No Palácio Central de la Computación, no centro de Havana Velha, há trinta computadores que o público pode utilizar de graça. Só dão acesso à Intranet e à Infonet, ambos sistemas cubanos.
Cada usuário pode ficar no computador por até duas horas. Na cidade quente e à beira-mar, é expressamente proibido entrar no palácio da computação de chinelo de dedo. Só três hotéis de Havana oferecem rede wi-fi. Os demais vendem uma “tarjeta de internet” a preço exorbitante: uma hora custa 6 dólares. (O Skype é bloqueado mesmo nos hotéis.) Teoricamente, qualquer cubano pode entrar num hotel, comprar uma “tarjeta” e navegar na internet. Mas, com salário médio de 20 dólares, gastar 6 dólares por hora é proibitivo.
Na tarde quente de uma terça-feira recente, 150 pessoas se aglomeraram diante de uma filial da Etecsa para aproveitar uma promoção – só para cubanos. (A filial fica na Avenida Salvador Allende, presidente socialista do Chile morto em palácio, mas todos os cubanos a chamam pelo antigo nome de Carlos III, o rei da Espanha.)
Nos termos da promoção, com a compra de uma linha de celular pelo equivalente a 30 dólares, ganhava-se um crédito de 30 dólares para fazer ligações. A fila degenerou em tumulto, gritaria e discussão. Ninguém queria perder a chance de ganhar 30 dólares de crédito. Os que usam os celulares para fins políticos têm benfeitores. São grupos anônimos que, do exterior, adicionam crédito aos celulares cubanos on-line.
Havana é um museu a céu aberto. Os almendrones, carrões americanos da primeira metade do século passado, ainda rodam pelas ruas. As pessoas, jovens até, ostentam dentes de ouro. As lojas fecham por dias a fio e colocam um aviso na porta: “fechado para balanço”. A digitalização é incipiente. Até a venda de vistos de entrada em Cuba num dos aeroportos mais próximos – o de Cancún, no México – é anotada em papel, a lápis.
Na Univesidade de Havana, uma das mais antigas das Américas, a divisão de informática tem computadores dos anos 90. Na biblioteca, há três terminais para pesquisar o catálogo digital, mas o uso mais frequente é dos velhos armários com gavetas e fichas de papel. Num dia normal de aula, não se vê a cena corriqueira em outros países de estudantes às voltas com iPods e smartphones. Numa quarta-feira recente, só um grupo de estudantes trabalhava em um laptop, na faculdade de matemática e cibernética.
A elite comunista de Cuba está mais interessada em controle político do que em desenvolvimento econômico. Nisso, a informação tem papel decisivo. Tudo o que se refere à circulação de ideias é vigiado. No penúltimo domingo de outubro, Cuba foi às urnas para escolher vereadores. Todos os candidatos são do Partido Comunista, que tem 800 000 filiados e uma ala jovem com 700 000 militantes.
Não havia carro de som, comício, passeata, propaganda na TV. Só uma folha de papel afixada nas vitrines com uma biografia do candidato e foto 3×4. É a Lei Falcão cubana.
Por tudo isso, o artista plástico Salvador González, que popularizou o Callejón de Hamel, local de dança e música afro-cubanas, fez uma sátira das comunicações na ilha em seu estúdio: um antigo aparelho de telefone é chamado de “Blackberry”, a velha máquina de escrever de “Internet”.
É também por isso que se diz que Cuba vai aonde a elite comunista quiser. Ela tem o controle de tudo. Pelo menos até que o povo, em algum momento e contra todas as adversidades, decida o contrário.
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