Muito bem: o STF reconheceu que houve um mensalão – o mais sofisticado e abrangente ataque aos cofres públicos da história, segundo a Procuradoria Geral da República -, condenaram-se os responsáveis e aguarda-se a pena de cada qual.
Termina aí? Espera-se que não. O Mensalão não foi um acidente de percurso, um caso raro, fora do padrão.
Ele é o próprio padrão, levado ao paroxismo, justamente pelo partido, o PT, que chegou ao poder por ter convencido a população de que poria fim àquele tipo de prática.
O que ele indica é que a política, em seu conjunto, continua enferma, agora em estado terminal. Carece de mudanças profundas, único meio de evitar repetecos.
Neste exato momento, em que se disputa o segundo turno em diversas cidades brasileiras, quantos atos similares estarão sendo praticados, ainda que em escala menor?
Delúbio Soares e Marcos Valério, mais que réus condenados, são arquétipos da política brasileira. Já citei diversas vezes uma fala de Dom Pedro II, a seu ministério, em 1870 – e torno a fazê-lo por sua lamentável atualidade: “Todos os males do país derivam do modo como se fazem as eleições”. Faz 142 anos. Mudou?
Ao tempo da República Velha, havia o célebre voto de bico de pena, em que o eleitor tinha que expor o seu candidato, o que o tornava vulnerável à pressão dos chefes políticos.
Em nome do voto secreto e da lisura eleitoral, fez-se uma revolução, a de 1930. Mas o que mudou? A esperteza é uma metamorfose ambulante. Encontra sempre outros meios de influir.
O dinheiro é onipresente; há a manipulação das pesquisas, do noticiário. Nem mesmo uma decisão tão grave como a do STF é levada a sério por agentes políticos de peso.
José Dirceu, por exemplo. Ele e seu partido fazem pouco da mais alta Corte do país, acusam-na de estar a serviço do conservadorismo e agem como se nada tivesse ocorrido.
José Dirceu, mesmo estando privado de direitos políticos – foi cassado pelo Legislativo e condenado pelo Judiciário -, é cabo eleitoral de Fernando Haddad, candidato do PT à prefeitura de São Paulo, o que leva o Mensalão ao palanque daquela campanha.
Desde a redemocratização, e lá se vão 27 anos, quantas propostas de reforma política já foram apresentadas ao Congresso Nacional? Quantas foram efetivamente votadas? Sempre se vota alguma mudança pontual, em regra um casuísmo, e pronto.
Sabe-se que a legislação partidária é ruim e favorece o caciquismo. Sabe-se que a multiplicidade de partidos no Brasil – são mais de 30 em funcionamento e 57 registrados – provoca a promiscuidade que vemos: venda de horário eleitoral, alianças espúrias, distribuição de verbas milionárias do fundo partidário e, ao final, loteamento de cargos e ministérios.
Sabe-se também que o financiamento das campanhas é espúrio e gera os mensalões. Chegou-se a tal ponto que ninguém se espantava mais com o caixa dois. Achava-se normal.
Foi preciso que a ministra Carmem Lúcia lembrasse que se trata de um crime, já que o advogado de um dos mensaleiros apoiou-se nessa tese para pedir absolvição de seu cliente.
O diagnóstico dos males da política brasileira já está pronto há tempos. Não há quem, nos meios políticos, o desconheça. O que falta é determinação de aplicar os remédios. Quanto a isso, ouvi há dias, de uma senadora, que não há a menor disposição em fazê-lo. É o assunto mais evitado no Congresso.
Se isso é verdade, e se não houver radical mudança, o julgamento do mensalão terá sido em vão, um (mais um) episódio pitoresco da história republicana, a ser arquivado na sequência do impeachment de Collor, da condenação dos anões do Orçamento e de tantos outros da história recente.
Mais uma catarse estéril, a anunciar outras num futuro breve. Vem aí 2014 e, se as regras forem as mesmas, não há dúvida de que as práticas não vão mudar. Haverá mais cautela por parte dos agentes, mas o padrão moral será o mesmo.
Não há o que comemorar no Mensalão. Se a decisão do STF não provocar mudanças profundas, e imediatas, teremos (para variar) mais do mesmo.
Ruy Fabiano é jornalista
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