Estou dentro de um táxi, de passagem pela politicamente efervescente cidade de São Paulo, na reta de chegada de uma das mais pegadas e cruciais campanhas eleitorais em disputa pela prefeitura da mais rica e cobiçada cidade do País. O veículo avança graças à perícia do motorista mineiro (eleitor em Sampa) que o dirige no meio do complicado trânsito do sábado, na corrida para um endereço nas imediações do Parque Ibirapuera.
No “farol” dos paulistanos, “sinaleira” dos baianos de Salvador, o carro para por instantes. Tempo suficiente, no entanto, para a discreta aproximação do homem bem vestido no traje semelhante ao usado comumente, nas cidades e vilarejos brasileiros, por pessoas a caminho dos cultos nas igrejas evangélicas, em fins de semana. No lugar de um exemplar da Bíblia, o cidadão carrega um pacote de “santinhos” de propaganda eleitoral.
Ele se aproxima e bate discretamente no vidro semiaberto da janela do veículo. Em tom suave e educado, se dirige aos três ocupantes do táxi, incluindo o motorista: “Posso entregar um destes aos senhores?”.
Na mão direita, retirado do pacote de panfletos, ele oferece um retrato sorridente do candidato do PRB a prefeito de São Paulo, Celso Russomano, que lidera com folga as pesquisas de intenção de votos de todos os institutos, a 10 dias da eleição.
Enquanto isso, o petista Fernando Haddad e o tucano José Serra suam a camisa, esquentam os próprios miolos e puxam pelos padrinhos e aliados políticos ou marqueteiros, na busca do “milagre” que pode livrar um deles da suprema humilhação de não obter a votação suficiente para alcançar o segundo turno na eleição de 7 de outubro, cada dia mais próximo e ameaçador.
Rapidamente, como na famosa e singular canção do carioca Paulinho da Viola, o sinal abre e o motorista arranca firme com o táxi, na rota do endereço indicado. Não deu tempo de receber a propaganda do candidato da mão do “militante”.
Margarida (minha mulher, também jornalista) reclama: “Oh, eu queria ler o que estava escrito no panfleto de Russomano. Quem sabe trazia alguma dica para ajudar a entender tamanha aceitação dos eleitores paulistas...”.
O motorista do norte de Minas, tão educado e elegante quanto o senhor do “farol”, pede desculpas: “não deu desta vez”. Alguns metros adiante, porém, surgem novos sinais (ainda mais nítidos e numerosos) que ajudam quem vem de fora a entender melhor “o fenômeno Russomano”.
Na altura de um dos espaços de maior movimentação popular do parque, próximo ao grande e tradicional shopping da cidade, frequentado por gente de classe média em seus diferentes estágios alfabéticos, dezenas de pessoas - jovens e adultos, homens e mulheres vestidos com modelos parecidos ao do homem da “sinaleira” - acenam bandeiras em azul e branco com o nome de Russomano, o candidato apoiado ativa e maciçamente pelos evangélicos, igreja do bispo Edir Macedo (a IURD) à frente.
É quase hora do almoço na tarde de sábado na capital paulista, mas o entusiasmo não arrefece. As bandeiras são acenadas com vigor e disposição bem característicos “da militância político-religiosa”.
Impossível para o jornalista visitante não recordar de outras campanhas e de outras bandeiras nas ruas de São Paulo e do País. As vermelhas com estrela do PT de Haddad e Lula, por exemplo, que praticamente desapareceram das praças, avenidas ou das janelas das casas e apartamentos nestes dias decisivos da campanha em Sampa, pelo menos no sábado motivador destas linhas.
Muitos dos estandartes eram bordados e costurados, então, no seio dos sindicatos. Mas igualmente nas sedes das antigas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), da Igreja Católica, com aprovação e até participação direta de muitos padres, freiras, bispos e até cardeais.
Como não lembrar igualmente dos velhos militantes de guerra do PSDB, do candidato a prefeito José Serra e de seu escudeiro Fernando Henrique Cardoso de antigas campanhas eleitorais? Dos estandartes tucanos agitados nas ruas, muitos deles igualmente confeccionados nas sacristias?
Afinal, nos combativos “núcleos de discussão” da extinta Ação Popular (AP), organização de jovens católicos “de esquerda”, foi formado politicamente o líder estudantil e ex-presidente da UNE, José Serra, que agora briga com Haddad para chegar ao segundo turno no pleito paulistano.
Pelo que vi e ouvi nestes dias agitados da passagem por São Paulo, que ninguém se iluda: as igrejas (evangélica, do bispo Edir Macedo, e católica, do arcebispo Odilo Scherer) prosseguem no jogo político-eleitoral, aberta ou disfarçadamente.
É bem provável, até, que joguem papel decisivo antes da apuração dos votos da eleição de 7 de outubro na maior e mais importante cidade do Brasil.
É um jogo interessante que merece atenção. Resultados, a conferir.
Vitor Hugo Soares é jornalista. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br
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