A reação do PT ao julgamento do Mensalão mostra a escassa cultura democrática do partido, para dizer o mínimo. Antes de mais nada, atribuir o encaminhamento do julgamento a uma suposta ação oposicionista é ignorar a estrutura institucional do país.
Ainda que tivéssemos uma oposição firme e exacerbada, como foi a do PT – e isso, definitivamente (e lamentavelmente), não temos -, não teria meios de influir num julgamento.
A tibieza da oposição brasileira ficou patente ao tempo do próprio Mensalão, quando teria meios de constranger Lula, pela evidência de sua participação no processo, agora confirmada por Marcos Valério.
Antes, já fora mencionada por Roberto Jefferson e pelo próprio José Dirceu, que assegurou que tudo o que fez foi com o conhecimento e a autorização de Lula.
Mas a oposição optou por nada fazer. O próprio Fernando Henrique, como à época noticiaram os jornais, foi procurado por emissários do PT, para que poupasse Lula, o que pareceu desnecessário, já que a oposição entendera desde o início que nada era preciso fazer e que Lula “sangraria” em praça pública e até um poste o derrotaria nas eleições. Mas o poste perdeu.
Lula conseguiu se reeleger. E, inversamente às desculpas que pedira pelos “erros do PT”, passou a dizer que o Mensalão não existira, que fora uma tentativa de golpe contra seu governo e que iria prová-lo quando deixasse a Presidência.
Ora, o lugar de prová-lo era exatamente na Presidência, quando disporia dos meios institucionais para fazê-lo.
Função de ex-presidente, como ele mesmo dissera a FHC, era a de ser um conselheiro, só abrindo a boca quando solicitado. Não é o que tem feito. Aliás, Lula não é exatamente pródigo em matéria de coerência. Entre sua palavra e sua prática, há um imenso abismo.
Mas, voltando à ignorância institucional do PT: além de acusar a oposição de estar interferindo no encaminhamento do julgamento, o partido sustenta que a transmissão pela TV e o noticiário da imprensa seriam fatores a tirar a isenção dos juízes.
Há aí, além de grave ofensa aos juízes, uma inversão do raciocínio lógico. Os juízes, com seus votos, geram o noticiário – e não o contrário. A transmissão põe o público a par do que se passa – e não o contrário.
O abaixo-assinado dos artistas e intelectuais (?!) é uma barbaridade. É a primeira vez na história (possivelmente do mundo) em que se protesta contra um julgamento de corruptos – e a favor dos corruptos. Ninguém nega os fatos; nega-se a necessidade de Justiça.
Nesse sentido, o deputado Paulo Rocha foi estupendo. Disse que “ninguém nega a fraude dos empréstimos”, mas que sua destinação não foi o bolso dos parlamentares, mas o cofre eleitoral, como se isso fizesse alguma diferença.
A inclusão de Lula no Mensalão não decorre da matéria de Veja com Valério. Meses depois da eclosão do escândalo, veio a público um livro, farto em documentos, intitulado “O Chefe”, de Ivo Patarra, disponível também de graça na internet. Nele, mais que se acusar, demonstra-se a liderança de Lula no processo.
Roberto Jefferson, ainda que tardiamente, acusou o ex-presidente em discurso, na sessão em que foi cassado, na Câmara. Tardiamente porque, no curso das CPIs (foram três a tratar do tema), fez questão de preservar Lula, chamando-o de “um homem bom e inocente”.
Seguramente, esperava com isso abrir uma janela para negociações em torno de seu futuro. Como não funcionou e acabou cassado, decidiu abrir o jogo, não a tempo, no entanto, de ver Lula incluído no relatório do procurador-geral da República.
O PT, portanto, deveria agradecer a oposição que tem, que não lhe causa qualquer problema. O Mensalão foi denunciado por um parlamentar da base governista (Jefferson), levado ao Judiciário pela Procuradoria-Geral da República e agora agravado pela denúncia de Marcos Valério, que o operou a pedido do PT.
Nenhuma força externa – nem a burguesia (a não ser os burgueses do próprio PT, que o comandam), nem a oposição, nem o Judiciário – criou essa situação. É totalmente made in PT.
A colheita, no entanto, como determina o Estado democrático de Direito, está sendo imposta, nos termos da lei, pelo Poder institucionalmente incumbido de fazê-lo: o Judiciário.
É o beabá institucional, algo desprezível dentro da lógica totalitária dos que defendem os mensaleiros.
Ruy Fabiano é jornalista
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