terça-feira, 14 de agosto de 2012

Paradoxo popular, por Dora Kramer


14 de agosto de 2012 | 3h 05

Nem tudo que é popular é justo, aceitável, verdadeiro ou incontestável. Disso dá notícia a História, a vida e as duas vitórias eleitorais do PT para a Presidência da República depois do advento do mensalão.

Segundo pesquisa do instituto Datafolha, maioria expressiva (73%) da amostragem de 2.592 pessoas ouvidas uma semana depois de iniciado o julgamento no Supremo Tribunal Federal considera tratar-se de um caso de corrupção e espera pela condenação dos envolvidos.
Tal convicção não decorre da perfeição jurídica do relato dos autos, inacessíveis à avaliação leiga. A acusação não convence a maioria por estar juridicamente com a razão, mas porque sua narrativa faz sentido: conta que um partido valeu-se das facilidades do poder para arrecadar muito dinheiro e com ele conseguir sustentação política de que necessitava para governar.
Houve manipulação de grandes somas onde deveriam prevalecer posições políticas; é isso que as pessoas entendem e consideram impróprio.
Uma boa parte (43%), contudo, não acredita que haverá condenação, expressando algo que pode ser visto de duas maneiras: desconfiança na eficácia da Justiça e/ou antídoto prévio a frustrações devidas a um farto histórico de impunidade.
A adesão popular à tese defendida pela Procuradoria-Geral da República não quer dizer que o resultado do julgamento no Supremo Tribunal Federal vá ou deva necessariamente atender a essa demanda.
Tampouco é possível inferir que os resultados daquelas eleições vencidas pelo PT (reeleição de Lula e vitória de Dilma Rousseff) no pós-mensalão teriam sido diferentes se o enredo tivesse sido contado com a cadência e exposição de agora, porque a mesma pesquisa registra que 50% não se deixarão influenciar pelo resultado do julgamento na hora do próximo voto, em outubro.
Algumas conclusões, porém, são admissíveis. A primeira delas: o PT está longe da realidade quando diz que a população só quer saber de novela e de olimpíadas.
A segunda: a versão de que o mensalão é fruto de uma fantasia oposicionista simplesmente não pegou.
Um último aspecto, relacionado à desconexão entre o voto e o resultado do julgamento pode, em princípio, soar estranho em face da expectativa de condenação.
Mas, se lembrarmos que o PT ganhou duas eleições presidenciais com mensalão e tudo - uma delas ainda sob o eco da CPI - vamos acabar concluindo que a população exige rigor da Justiça, mas não é tão rigorosa assim na hora de votar.
Um dado para se pensar antes de reclamar dos políticos e dos juízes.
Sujeito oculto. Muito esperto o advogado de Roberto Jefferson tentando desmontar o trabalho do Ministério Público sob a alegação de que a acusação é nula porque não incluiu o "mandante", Lula.
Como teatro, eficiente. Para o julgamento, apenas um sofisma dada a proteção garantida pela ausência do personagem nos autos.
Para a imagem de Lula, porém, o chamamento ao centro da cena naqueles termos não é tão inócuo assim.
Desalinho. Na última sexta-feira, o ministro Antonio Dias Toffoli foi a uma festa em Brasília. Ia alta a madrugada quando explodiu em pesados palavrões referindo-se ao jornalista Ricardo Noblat que acabara de sair, mas voltou a tempo de ouvir e relatar a história em seu blog momentos depois.
Talvez pela interpretação de que se tratava de um caso atinente à vida particular de Dias Toffoli, os jornais não deram repercussão ao episódio e provavelmente por esse motivo o ministro não reagiu nem desmentiu.
A gravidade aí não está no fato de os impropérios terem sido dirigidos a um jornalista, mas por terem sido proferidos em público por um julgador de instância suprema cujo papel institucional requer equilíbrio, distinção, maturidade e, sobretudo, noção de limite.

Nenhum comentário:

Postar um comentário