terça-feira, 14 de agosto de 2012

CRÔNICA - Cartas de Buenos Aires: As avós cientistas



Com 106 netos recuperados (o último na semana passada), as Avós da Praça de Maio celebrarão seus 35 anos de trabalho em 22 de outubro próximo – Dia Nacional do Direito à Identidade.
Mas o presente quem ganha é a gente. Micros documentários de três minutos, contando a vida de cada uma das crianças encontradas e uma série chamada “99,99% - La Ciencia de las Abuelas”, que resgata um lado menos conhecido destas senhoras: a busca pelos métodos científicos que permitiram comprovar essas identidades.
Quando as avós começaram a buscar os cerca de 500 bebês roubados dos pais durante a última ditadura militar, ainda na década de 1970, se depararam com um problema. Tinham nada mais que fotos e lembranças.
Mesmo que os encontrassem, não haveria como comprovar suas filiações verdadeiras, tendo em vista que os pais estavam mortos ou desaparecidos.
Então se perguntaram: existe um elemento constitutivo do sangue que só aparece em pessoas pertencentes à mesma família? Foram atrás de geneticistas. Bateram em muitas portas.
Somente no ano de 1982 passaram por 12 países, entre eles França, Alemanha e Inglaterra, até que chegaram ao Blood Center de Nova Iorque e à Associação Americana para o Avanço da Ciência, em Washington.
Graças a eles,um ano depois, encontraram um método que permite chegar a um percentual de 99,9% de probabilidade, mediante análises específicas de sangue. Era criado neste momento o “índice de abuelidad”, uma novidade para o mundo científico! É bom lembrar que ainda faltava um tempo para que os segredos dos genes e do DNA viessem à tona como agora.
Em dezembro de1983, no primeiro dia hábil de democracia, as avós obtiveram uma ordem judicial para analisar o sangue de uma menina, Paula Eva Logares, que elas tinham certeza era filha de desaparecidos. Foi o primeiro caso comprovado. Nunca mais pararam.
Exigiram a exumação de cadáveres, ajudaram a criar a Equipe Argentina de Antropologia Forense, fundaram o Banco Nacional de Dados Genéticos e, principalmente, ajudaram na descoberta do DNA mitocondrial, tema sobre o qual podem dar até aulas!

Neto 106: Pablo Javier Gaona Miranda - Foto: Fernando Gens/Télam

Não há espaço para detalhes técnicos na coluna, mas está tudo aqui, no livro “Las abuelas y La genética”,que pode ser baixado gratuitamente.
O trabalho que elas fizeram foi fundamental não somente para a restituição de identidade como para o julgamento dos genocidas. E muito mais para os geneticistas, que admitem publicamente que sem as avós não teriam chegado tão longe.

Gisele Teixeira é jornalista. Trabalhou em Porto Alegre, Recife e Brasília. Recentemente, mudou-se de mala, cuia e coração para Buenos Aires, de onde mantém o blog Aquí me quedo, com impressões e descobrimentos sobre a capital portenha. 

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