O ministro Ayres Britto se pronunciará hoje sobre o chamado Item III da denúncia. Deve ser o 11º (ONZE A ZERO!) a condenar Henrique Pizzolato, ex-gerente de marketing do Banco do Brasil, por peculato e corrupção passiva. E o nono a condenar o deputado João Paulo Cunha por esses mesmos crimes. Marcos Valério e dois de seus sócios — Ramon Hollerbach e Criatiano Paz — estão também enroscados. Se Britto considerar que o parlamentar praticou ainda lavagem de dinheiro, a coisa ficará ainda mais feia para o seu lado. Dificilmente deixará de ser condenado à prisão em regime fechado, a exemplo do que deve acontecer com os outros. Por isso, a pressão já começou para que o presidente do tribunal ao menos alivie esse crimezinho, entenderam? O STF tem tudo para fazer um julgamento histórico — aliás, em parte, a boa história já está feita.
Estamos diante de um marco importante. A corte suprema do país está a dizer que certos comportamentos não são mais tolerados e toleráveis. Ontem, Celso de Mello — o mais citado pelos advogados de defesa como o homem que exige “ato de ofício” para condenar — deixou claro o que tenho repetido aqui desde o começo e também nos programas da VEJA.com: basta a expectativa do tal ato. Como observou com acerto Marco Aurélio Mello — observação que vocês conhecem —, o ato que se pratica ou que se deixa de praticar no caso de corrupção passiva e ativa é agravante de pena. A definição do crime está no caput, respectivamente, dos artigos 317 e 333 do Código Penal.
Houve mais: evocaram-se também o Artigo 239 — que trata das provas indiciárias — e o 156 do Código de Processo Penal, que deixa claro que a obrigação de produzir a prova é de quem alega. No primeiro caso, pois, basta um conjunto de evidências que convergem para um determinado resultado para formar a convicção de um juiz. No segundo caso, também à defesa cabe comprovar um álibi quando diz haver um. Até havia pouco, os nossos homens públicos flagrados com a boca da botija se escondiam num conforto: para eles, dizer “eu não fiz” era o mesmo que afirmar “não há provas de que eu fiz” — e essa prova era entendida como o efetivo ato de ofício (que se praticou ou que se deixou de praticar). A frase, aliás, que melhor define todo o imbróglio do mensalão é de autoria de José Dirceu: “Estou cada vez mais convencido da minha inocência”.
E não que os ministros do Supremo tenham decidido se comportar como Torquemadas ou Savonarolas… Alguns não duvidaram de nenhuma das evidências. Outros acharam que poderia haver um dúvida aqui e ali. Quando acharam, votaram pela absolvição: livraram João Paulo de uma das imputações de peculato Rosa Weber, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello (além, claro, de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, que votaram pela absolvição total); rejeitaram a lavagem, além dos dois absolvedores gerais da República, Peluso e Marco Aurélio. Falta o voto de Britto e de Rosa Weber, que deixou esse particular para mais tarde.
Vale dizer: havendo uma dúvida, os ministros estão se mostrando, sim, criteriosos. Parece — tomara que seja verdade — que estão a dizer: “Contem com este tribunal para o exercício do devido processo legal, mas não nos tomem como uma seção de um partido político ou como instrumento de um projeto de poder”.
Prerrogativa de foroOs meus próprios leitores já brigaram comigo algumas vezes porque estou entre aqueles que defendem a prerrogativa de foro, mal chamado por aí de “foro privilegiado”. Se serviu, no passado, para não punir ninguém, parece que está claro que não servirá mais. E, de novo, espero que assim seja. Não tenham dúvida: esse processo, se corresse em outras instâncias da Justiça, estaria emperrado em uma das malhas da nossa teia jurídica. Não precisa ir muito longe: fosse o STF um “privilégio”, Márcio Thomaz Bastos não teria tentado explodir o julgamento, mandando o processo para instâncias inferiores.
Não estou fazendo acusação a esse ou àquele ou afirmando que juiz de primeira instância é mais mole ou menos competente. Não é disso que se cuida aqui. Apenas chamo a atenção para o, se me permitem, “encompridamento” do caminho que leva à punição. Sem contar que há de se considerar o seguinte: se ministros do Supremo sofreram as pressões que sofreram, imaginem o assédio a que não estariam expostos juízes de outras instâncias. Não! Não estou a dizer que seriam mais suscetíveis. Estou apenas sustentando que teriam menos condições objetivas de se proteger. Se o Supremo cumpre a sua tarefa, a prerrogativa de foro é um instrumento da democracia.
Chamo a atenção para o fato de que, em nenhum momento, os ministros se descuidaram da doutrina. Ao contrário. Levaram adiante a máxima segundo a qual “quod non est in actis non est in mundo” — o que não está nos autos não está no mundo. Ocorre que os elementos que levaram à condenação estavam nos autos, sim; eram peças do processo. A condenação vai ao encontro do anseio de amplas parcelas da população — mas não é esse anseio que está decidindo; são os fatos.
O mensalão — ou se chame aquilo ao gosto de cada um; poderia ser, sei lá, “Roberval” ou “Jurandir” — existiu. Se foi ou não caixa dois de campanha (sobram evidências de que não, diga-se), tanto faz, destacaram os ministros. Isso não muda os crimes praticados. O mensalão não só existiu como já tem cinco corruptos condenados: João Paulo Cunha, Henrique Pizzolato, Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz. Quatro deles, já dá para saber, dificilmente escaparão da cadeia em regime fechado; um quinto, João Paulo, ainda pode se juntar ao grupo.
Finalmente, DirceuE Dirceu? Bem, é claro que não sei o que vai acontecer com ele. No máximo, posso torcer e observar que os critérios — que são os da lei — com os quais trabalharam até agora nove ministros não lhe são favoráveis. Se isso implicará condenação, o tempo dirá. Os petistas, na sua ânsia loquaz, começaram a espalhar ontem que só a condenação do ex-ministro significaria uma condenação moral ao governo Lula; as outras seriam menos importantes.
Huuummm… Vamos ver: em primeiro lugar, o governo Lula não está em julgamento. Em segundo lugar, a questão não é moral, mas criminal — crimes ocorridos na cúpula do governo petista, sim! Em terceiro lugar, esses caras deveriam cuidar melhor do seu protegido. Se a eventual absolvição de Dirceu servirá para que eles saiam por aí a dizer que tudo era mesmo uma farsa, passarão a tratar o STF como seu cúmplice. Está dado um bom recado ao tribunal, não é mesmo?
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