domingo, 12 de agosto de 2012

Após investimento, Brasil avançou em medalhas, mas 'perdeu bonde para 2016'


Camilla Costa
Atualizado em  12 de agosto, 2012 - 15:51 (Brasília) 18:51 GMT

Arthur Zanetti. | Foto: Getty
O ginasta Arthur Zanetti surpreendeu ao conquistar o ouro para o Brasil nos Jogos de Londres 2012
Especialistas na área de economia do esporte e profissionais ligados a confederações de esportes individuais dizem que o Brasil já "perdeu o bonde para 2016", mesmo com um aumento de benefícios a atletas e o investimento na infraestrutura de treinamento.
Na reta final de Londres 2012, o Time Brasil conquistou 17 medalhas (sendo três de ouro), superando em apenas duas a previsão do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), que esperava atingir o mesmo resultado da Olimpíada de Pequim 2008.

"O investimento deveria ter acontecido antes. Já deveríamos ter terminado Pequim olhando para a Olimpíada de 2016", disse à BBC Brasil Miguel Arruda, conselheiro da Confederação Brasileira de Atletismo e do clube BMF, o principal do país na modalidade.A previsão do COB, que chegou a ser considerada "modesta" pelo ministro do Esporte, Aldo Rebelo, foi justificada pelo comitê pela "falta de tempo" para que as confederações pusessem seus projetos em prática desde que foi anunciado um aumento de R$ 90 milhões no investimento, em 2011.
Em Pequim 2008, o investimento governamental de cerca de R$ 1,2 bilhão culminou em 15 medalhas, duas a menos do que em Londres 2012, onde as cifras, que serão anunciadas pelo COB ainda hoje, parecem ter sido muito maiores.
Nos Jogos de Londres, a delegação brasileira manteve o bom desempenho em esportes de grupo e dupla, chegando às finais do vôlei feminino e masculino, do futebol masculino e do vôlei de praia masculino.
Com uma performance dentro do planejado no judô e surpresas positivas no boxe e na ginástica artística masculina, aumentaram a contagem de medalhas do país.
Neste domingo, o superintendente executivo do COB, Marcus Vinicius Freire, disse que atletismo e natação, que foram para menos finais em Londres, tornaram-se pontos de "atenção" e "preocupação".

Falta de renovação

O atletismo participou de somente três finais, no revezamento 4x100 metros feminino, no arremesso de peso e no salto em distância masculino, e terminou os Jogos sem medalha pela primeira vez desde 1992. Em Pequim, foram sete finais e um ouro.
Segundo Arruda, o desempenho se deve à pouca quantidade de atletas de alto rendimento em condições de competir em Olimpíadas - e o quadro não deve melhorar até 2016, por causa da dificuldade de renovação da equipe brasileira.
"No atletismo é possível que tenhamos resultados piores (no Rio 2016) do que em Londres. Os atletas que vão competir no Rio já estão em competições nacionais e os resultados que estamos observando são ínfimos. Temos que tirar leite de pedra dos poucos atletas que a gente tem."
"Nosso contingente de atletas em Londres é bom, mas se você fizer um corte de idade, terá poucos deles em 2016. A performance deles já está baixa, por causa do avanço da idade. Na minha opinião, não há tempo. 2016 já passou. Já perdemos o bonde no atletismo", afirmou à BBC Brasil.
Maurren Maggi em Londres 2012. | Foto: Reuters
Maurren Maggi não conseguiu medalha no atletismo; país 'perdeu o bonde' na modalide
A ginástica artística, que participou de seis finais em Pequim, foi a somente duas em Londres e obteve o ouro surpreendente de Arthur Zanetti. No entanto, o especialista Marco Antonio Bortoletto, da Unicamp, também aponta a falta de renovação nas equipes como um problema para o Rio.
"Sou bastante cético quanto a isso. Acho que esse investimento já deveria ser feito e talvez não dê tempo para o Rio. Os centros de treinamento já deveriam estar prontos para que nossas categorias infantil e de base pudessem treinar.", disse à BBC Brasil.
"Se olharmos para o que era há dez anos, melhorou muito, mas não o suficiente para sermos uma potência. E Diego, Arthur e Sasaki são exceções e devem ser tratados como tal. São talentos acima da média e é por isso que chegaram onde chegaram, mesmo não tendo as condições necessárias."

Investimento tardio

A equipe britânica, que competiu em todas as modalidades e ganhou 65 medalhas, sendo 29 de ouro, também atribui o bom desempenho principalmente ao investimento financeiro no esporte de alto rendimento, que quadruplicou no ciclo olímpico de Atenas 2004 a Pequim 2008.
Em Atlanta 1996, tanto a Grã-Bretanha quanto o Brasil tiveram 15 medalhas cada. No ciclo seguinte, quando o governo britânico passou a destinar parte dos lucros com a Loteria Nacional no esporte pela primeira vez, a delegação dobrou seu número de medalhas e conquistou 28 em Sydney.
O Brasil fez o mesmo em 2001, quando o governo sancionou a lei Agnelo Piva, destinando 2% da arrecadação da loteria para o COB e o Comitê Paralímpico.
Mas entre 2004 e 2008, o investimento do governo britânico quadruplicou e, em Pequim, o país deu um salto de 17 medalhas em relação a Atenas. Agora, com um aumento de 30 milhões de libras (cerca de R$ 95 milhões) no orçamento destinado ao esporte, os britânicos chegaram a 65 medalhas.
O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, admite que os investimentos do governo brasileiro foram tardios em relação às metas do país para 2016, quando o COB chegou a prever a conquista de 30 medalhas. Mas ele afirma que o país chegará ao resultado planejado para 2016 pela "necessidade".
"O investimento deveria ter começado antes do que começou, mas é preciso também dizer que se o dinheiro é essencial, ele não é tudo. É preciso que a aplicação dos recursos se dê dentro de um planejamento, de metas e nos detalhes que definem a medalha", disse o ministro à BBC Brasil.
"Mais do que possível (chegar ao resultado previsto para 2016), é necessário. Nós precisamos melhorar o nosso desempenho pra 2016."
Após o encerramento dos Jogos de Londres, a presidente Dilma Roussef deve anunciar um "Plano Medalha", que aumentará ainda mais os recursos destinados ao esporte de alto rendimento no país.
O programa deverá ter como foco modalidades os esportes individuais, que distribuem mais medalhas e são o "ponto fraco" do time Brasil. Segundo Rebelo, outro programa, chamado até agora de "Bolsa-Técnico" destinará recursos para a equipe de especialistas que acompanha os atletas.
Aldo Rebelo diz que o foco no aumento do número de medalhas acontece, além da pressão do país-sede, por causa do efeito "pedagógico" sobre as novas gerações.
"O bom desempenho no esporte de alto rendimento cria uma cultura, tem um efeito pedagógico e educativo sobre as crianças e sobre os jovens. Essas referências estimulam a prática nao só do esporte de alto rendimento, mas da atividade física, do esporte de lazer."

Esporte de base

De acordo com o ministério do Esporte, a prioridade do atendimento do Bolsa-Atleta são os atletas olímpicos e paralímpicos. Em 2012, o benefício passou a contemplar também os atletas já consagrados, independentemente de terem outros patrocínios.
Atualmente, 42% dos atletas olímpicos e 85% dos paralímpicos de alto rendimento que já obtêm bons resultados em competições nacionais e internacionais de sua modalidade recebem a bolsa.
"É um erro pensarmos que vamos colocar dinheiro em quatro anos e vamos criar muitos atletas. Um atleta não se forma da noite para o dia."
Paulo Montagnet, coordenador do Grupo de Estudos Avançados em Esporte, da Unicamp
No entanto, especialistas afirmam que, sem investimentos maiores nas categorias de base, será difícil trazer mais medalhas para o país nos próximos Jogos.
"Não há condição biológica de formar um atleta num espaço menor do que 10 anos. É o tempo que a estrutura física demora para se adaptar às cargas dos treinamentos. Nos esportes coletivos é um pouco diferente, mas os esportes individuais demandam mais da capacidade física, isso é determinante", diz Miguel Arruda.
Paulo Montagner, coordenador do Grupo de Estudos Avançados em Esporte da Unicamp, afirma que o investimento do Brasil no alto rendimento é de ordem parecida ao de outros países, mas critica o que considera o pouco esforço para criar uma estrutura de esporte escolar, que possa revelar novos atletas.
"A discussão mais errada que podemos ter é querer fazer com dinheiro público mais medalhas em 2016. Financiamentos esportivos em um país saudável devem passar por políticas de longo prazo. É um erro pensarmos que vamos colocar dinheiro em quatro anos e vamos criar muitos atletas. Um atleta não se forma da noite para o dia", disse à BBC Brasil.
"O país tem que investir em esporte de rendimento, sim. Porque é bonito, é motivador. Mas é preciso proporcionar esporte. O que adianta agora as crianças quererem fazer ginástica artística e não terem onde fazer? Esse é o papel do Estado."
O COB recebe 85% dos recursos da Loteria Nacional. Desse total, 10% vão para o esporte escolar e 5%, ao universitário, segundo dados do Ministério do Esporte. "Em relação à necessidade, é pouco, mas em relação ao que tínhamos, é muito", disse Aldo Rebelo.

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