sexta-feira, 20 de julho de 2012


CRÔNICA

Cartas de Seattle: Cordialidade gelada

As pessoas em Seattle são tão simpáticas!
Elas abrem a porta para você, seguram o elevador enquanto você vem, param o carro para você atravessar a rua, abrem o sorriso quando você brinca com o cachorro, dizem entusiasmadas no fim da conversa: “Tenha um bom dia”.
A primeira impressão de quem visita a cidade, ou acaba de se mudar, é precisa. Mas incompleta. Sim, o povo de Seattle é educado e acolhedor. Mas só. Tente transformar os colegas de trabalho em amigos. Tente conhecer alguém com segundas intenções. Você poderá se deparar com o chamado Seattle Freeze.
Freeze quer dizer gelado, congelado. Numa tradução livre, seria “O gelo de Seattle”, naturalmente numa referência mais ao fenômeno social – na verdade, antissocial – e menos à temperatura. “Dar um gelo” é comum por aqui, se o interlocutor tenta ir além das cordialidades comuns ao trato social.
A cantora e compositora pernambucana Renata Almeida passou os primeiros seis dos oito anos que mora aqui sem conseguir fazer amigos na cidade. Ela viveu o Seattle Freeze em várias situações. No trabalho, era comum perceber que todos da equipe haviam saído juntos no fim de semana. Ela e outra estrangeira eram as únicas deixadas de fora. E ninguém fazia muita questão de esconder a farra.
Forasteiros que vivem há muito tempo em Seattle, mas ainda não se sentem adaptados formam 70% do público que procura o workshop “Derretendo o gelo de Seattle”. Sim, existe um curso em Seattle para ensinar a fazer amigos e arranjar namorado(a)! Ou para que as pessoas “tomem uma atitude, quebrem o gelo, e sejam o melhor que elas puderem ser”, como descreve Tyler Young, dono da Attractology, que atraiu mais de 150 pessoas para o curso nos últimos quatro meses.
Culpem o tempo cinzento que convida a ficar em casa, culpem a herança escandinava que trouxe para o Noroeste dos Estados Unidos o jeito introspectivo de ser, culpem até a presença maciça de empresas de tecnologia e o estereótipo do nerd antissocial. Mas por que os não-nativos de Seattle, que há quem diga somam 60% dos moradores da cidade, não quebram o gelo de vez?
Adorei uma explicação que recebi: os que chegam com alguma inabilidade para interação encontram aqui um terreno fértil para desenvolver sua introversão. Quem é extrovertido tem a autoconfiança abalada depois de algumas tentativas frustradas. E aí é mais fácil permanecer na própria “tribo”, procurar gente de sua parte do país ou, no caso dos estrangeiros, do seu próprio país.
A primeira tarefa de quem faz o curso da Attractology é dar um “oi” para cinco pessoas diferentes a cada dia. Daí para desenvolver uma amizade, admite Tyler Young, o desafio é bem maior. De minha parte, eu continuo tentando. :)

sunshinecity @CC

Melissa de Andrade é jornalista com mestrado em Negócios Digitais no Reino Unido. Ama teatro, gérberas cor de laranja e seus três gatinhos. Atua como estrategista de Mídias Sociais em Seattle, de onde mantém o blog Preview e, às sextas, escreve para o Blog do Noblat.

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