terça-feira, 8 de maio de 2012

CÓDIGO FLORESTAL - Um debate desértico-



Por Rolf Kuntz em 08/05/2012 na edição 693
Feijão e arroz interessam a todos, assim como água limpa e ar puro, mas os meios de comunicação conseguiram transformar o debate sobre o Código Florestal em assunto de dois grupos muito restritos, a bancada ruralista do Congresso Nacional e os ambientalistas. A maior parte da cobertura foi mais uma versão da luta entre o bem e o mal, um conflito bipolar entre os defensores da natureza e os partidários da devastação. A redução do problema a termos tão simples dificilmente poderia resultar numa informação de alta qualidade.
“Ruralistas vencem no Código florestal”, noticiou o Globo na quinta-feira (26/4), no alto da primeira página. “Dilma é derrotada, e nova lei diminui a proteção ambiental”, deu a Folha de S.Paulo em manchete. Em página interna o Estado de S.Paulo também destacou a vitória de um dos grupos: “Aprovada reforma do Código Florestal; ruralistas impõem derrota ao governo”. O Palácio do Planalto, nesse caso, surgiu como portador da bandeira ambientalista
Nos jornais, o assunto foi entregue, de modo geral, às equipes encarregadas de questões de Saúde, Ciência e Ambiente. As editorias de Economia ficaram longe do tema. Alguns colunistas econômicos trataram do debate, em raras ocasiões. Em editoriais, também raros, a dimensão mais ampla do assunto foi mostrada. Mas, com a omissão das seções econômicas, a cobertura ficou deficiente. Jornalistas competentes em agricultura poderiam ter enriquecido o trabalho com detalhes de real importância.
Novas técnicas
Valeria a pena circunscrever mais claramente o problema do desmatamento. Quem promove a devastação? Qual a responsabilidade de cada categoria de produtor? Como se dá a ocupação do território pela agropecuária? Quanto cresceu a produção de grãos nos últimos vinte anos e quanto aumentou a extensão das terras cultivadas? Os ganhos de produtividade permitiram limitar a expansão das áreas de lavouras? E qual a proporção entre o crescimento da pecuária comercial e o das pastagens? Quem desmata para criar bois?
Responder a questões como essas tornaria o debate mais interessante e mais informativo para um número muito maior de pessoas. Também serviria para diferenciar tipos de atividade agropecuária e mostrar o envolvimento de cada classe de produtor com a preservação ambiental. Quem acompanhou a evolução da agricultura brasileira nas últimas três décadas sabe quanto mudaram os padrões de manejo de solo e de relação dos produtores comerciais com o ambiente.
Jornalistas com experiência na área agrícola poderiam lembrar, por exemplo, os problemas de erosão causados em algumas áreas do Rio Grande do Sul, até os anos 1980, por algumas das piores práticas. Tanto os produtores quanto o governo – incluídos os bancos oficiais – passaram por um duro e importante aprendizado.
Boas práticas de culturas em encostas, novas técnicas de irrigação, melhor uso das curvas de nível, manutenção de árvores como quebra-ventos naturais, respeito às matas ciliares e emprego mais cuidadoso de máquinas entraram no repertório dos melhores agricultores. A rotação de culturas também contribui para a preservação da qualidade do solo. Técnicas de plantio direto e de cultivo mínimo (minimum tillage) foram adotadas gradualmente. Agrônomos regionais tiveram papel importante nas mudanças, assim como jovens técnicos de volta das faculdades para a propriedade da família.
Discussão empobrecida
Nos anos 1980 e em boa parte dos 90 os debates sobre produtividade e preservação frequentemente se misturaram. A imprensa especializada acompanhou. Ecologistas de ONGs permaneceram longe dessas discussões a maior parte do tempo. Quem acompanhou os fatos e andou pelo interior, como repórter, enfiando o pé no solo recém arado, para conversar com os lavradores, como fez muitas vezes o colunista, sabe disso.
Apesar do longo aprendizado, problemas importantes permaneceram, mas a discussão pública sobre o projeto do novo Código Florestal foi tremendamente empobrecida pelo enfoque ruralistas versusambientalistas.
Os meios de comunicação contribuíram para esse empobrecimento.
***
[Rolf Kuntz é jornalista]

Nenhum comentário:

Postar um comentário