segunda-feira, 11 de maio de 2015

As lições de Israel, que sofre com escassez de água há 67 anos, para São Paulo


Funcionário do governo israelense propõe alternativas de seu país para Brasil driblar crise hídrica

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Deserto de Negev, Israel: país sofre com escassez de água desde sua criação, há 67 anos - Cristina Massari / Cristina Massari/ Agência O Globo
SÃO PAULO - “Israel não tem nenhum tipo de recurso natural: nem petróleo, nem ouro, nem água. A terra santa é santa mas não tem nada embaixo”, diverte-se Boas Albaranes, o jovem cônsul de Israel para assuntos Econômicos em São Paulo. Nascido em Jerusalém, Albaranes mudou-se para o Brasil há nove meses, quando o país começava a viver a intensa agonia da crise hídrica. Nada que o assustasse, já que Israel enfrenta escassez de água há 67 anos, desde que foi fundado.
— Espantado eu fiquei de ver as pessoas lavando calçadas e regando plantas com mangueiras. Em meu país isso é proibido por lei — afirmou Albaranes.
Israel possui oito milhões de habitantes dispostos em um território majoritariamente desértico. Na região do país onde mais chove, as precipitações equivalem a cerca de metade do que normalmente chove em São Paulo. Em todo o país, anualmente, chove 1 bilhão de metros cúbicos, enquanto o consumo populacional atinge quase o dobro disso. Ao ano, o déficit de água em Israel é de 45%. Ainda assim, toda a população recebe água em suas torneiras 24 horas por dia, 365 dias ao ano. O feito tornou-se um caso de estudo para o governo brasileiro. Albaranes foi convidado a expor as estratégias israelenses em um seminário promovido pelo Ministério do Meio Ambiente em São Paulo na semana passada. Nessa entrevista, ele detalha ao GLOBO algumas das ideias de seu país que podem ajudar o sudeste brasileiro em tempos de escassez.
O GLOBO: Como o governo israelense garante o abastecimento da população?
ALBARANES: Há uma série de ações. Primeiro, a lei de água, de 1959, definiu que se um proprietário possui terra e um rio passa por ali, a água pertence ao Estado. É ilegal fazer poços artesianos, por exemplo. E cabe ao governo definir o preço da água, que, aliás, aumentou nos últimos anos. O preço é uma ferramenta do governo para forçar a economia de água: se você paga mais, você dá mais valor. Em anos de seca muito grave há ainda uma tarifa adicional. E isso traz dinheiro para o governo melhorar a rede de água.
O GLOBO: Em São Paulo, cerca de 30% da água tratada é desperdiçada. Vocês têm esse problema?
ALBARANES: Esse é um problema mundial. Londres também desperdiça este percentual. Em Israel, temos uma taxa de perda de 11% e e em Tel Aviv, menos de 7%. Mas temos que diminuir mais porque o metro cúbico que você economiza é o mais barato. Em Israel, 100% da água é monitorada, a tecnologia ajuda muito a ver onde tem vazamento. E, por lei, os medidores de consumo têm que ser trocados a cada cinco anos, para garantir que estão sempre bem calibrados.
O GLOBO: Com tão poucos recursos naturais, de onde vem a água que as pessoas bebem?
ALBARANES: Temos cinco plantas de dessalinização da água do mar Mediterrâneo. Cada uma com mais de 100 milhões de metros cúbicos por ano - são as maiores do mundo - e oferecem 70% da água doméstica consumida, a um custo de 57 centavos de dólar por metro cúbico. É bem caro para a água, mas quando não tem, você tem que pagar. Há 10 anos havia zero dessalinização, hoje são 600 milhões de metros cúbicos, e a expectativa é que em poucos anos toda aágua doméstica venha daí. Mas para a agricultura usamos água de reúso, o que seria uma saída também para o Brasil.
O GLOBO: De onde vem a água de reúso?
ALBARANES: Do esgoto. Israel coleta 91% do esgoto e reusa 80%. São 525 milhões de metros cúbico de água por ano que são reusados na agricultura na parte sul de Israel. E a irrigação é feita por gotejamento, uma inovação que criamos há 60 anos e que já é adotada em mais de 30% das lavouras do mundo. O método economiza muita água porque a planta recebe exatamente a quantidade de água que ela precisa, sem desperdício.
O GLOBO: Tudo isso envolve muita tecnologia, mas também uma mudança cultural.
ALBARANES: Sim, nas escolas as crianças têm muita campanha para economizar água. Elas são a polícia dos adultos - quando voltam para casa, se veem o pai escovando os dentes com a torneira aberta, já o corrigem. A conscientização é um elemento para resolver o problema a longo prazo. Mas eu acho que é o mais importante para mudar a situação.

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