quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Todos contra todos - REVISTA VEJA


Revista Veja

Com os processos da Operação Lava-Jato a caminho das sentenças, as empreiteiras querem Lula e Dilma junto com elas na roda da Justiça 

RODRIGO RANGEL, ROBSON BONIN E BELA MEGALE 

Há quinze dias, os quatro executivos da construtora OAS, presos durante a Operação Lava-Jato, tiveram uma conversa capital na carceragem da polícia em Curitiba. Sentados frente a frente, numa sala destinada a reuniões reservadas com advogados, o presidente da OAS, Léo Pinheiro, e os executivos Mateus Coutinho, Agenor Medeiros e José Ricardo Breghirolli discutiam o futuro com raro desapego. Os pedidos de liberdade rejeitados pela Justiça, as fracassadas tentativas de desqualificar as investigações, o Natal, o réveillon e a perspectiva real de passar o resto da vida no cárcere levaram-nos a um diagnóstico fatalista. Réus por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa, era chegada a hora de jogar a última cartada, e, segundo eles, isso significa trazer para a cena do crime, com nomes e sobrenomes, o topo da cadeia de comando do petrolão. Com 66 anos de idade, Agenor Medeiros, diretor internacional da empresa, era o mais exaltado: "Se tiver de morrer aqui dentro, não morro sozinho".

A estratégia dos executivos da OAS, discutida também pelas demais empresas envolvidas no escândalo da Pe-trobras, é considerada a última tentativa de salvação. E por uma razão elementar: as empreiteiras podem identificar e apresentar provas contra os verdadeiros comandantes do esquema, os grandes beneficiados, os mentores da engrenagem que funcionava com o objetivo de desviar dinheiro da Petrobras para os bolsos de políticos aliados do governo e campanhas eleitorais dos candidatos ligados ao governo. É um poderoso trunfo que, em um eventual acordo de delação com a Justiça, pode poupar muitos anos de cadeia aos envolvidos. "Vocês acham que eu ia atrás desses caras (os políticos) para oferecer grana a eles?", disparou, ressentido, o presidente da OAS, Léo Pinheiro. Amigo pessoal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos tempos de bonança, ele descobriu na cadeia que as amizades nascidas do poder valem pouco atrás das grades.

Na conversa com os colegas presos e os advogados da empreiteira, ele reclamou, em particular, da indiferença de Lula, de quem esperava um esforço maior para neutralizar os riscos da condenação e salvar os contratos de sua empresa. Léo Pinheiro reclama que Lula lhe virou as costas. E foi dessa mágoa que surgiu a primeira decisão concreta do grupo: se houver acordo com a Justiça, o delator será Ricardo Breghirolli, encarregado de fazer os pagamentos de propina a partidos e políticos corruptos. As empreiteiras sabem que novas delações só serão admitidas se revelarem fatos novos ou o envolvimento de personagens importantes que ainda se mantêm longe das investigações. Por isso, o alvo é o topo da cadeia de comando, em que, segundo afirmam reservadamente e insinuam abertamente, se encontram o ex-presidente Lula e Dilma Rousseff.

Nas peças de defesa apresentadas à Justiça, os advogados afirmam que o esquema bilionário de corrupção era eminentemente político, tal e qual o mensalão. Ricardo Pessoa, dono da UTC e indicado como o chefe do clube montado pelas empreiteiras na Petrobras, já ensaiou apontar para a presidente Dilma, cuja campanha recebeu doações de várias das empreiteiras sob investigação. Num manuscrito revelado por VEJA há três semanas, ele se queixava do abandono, assim como os executivos da OAS, e, em tom de ameaça, dizia que o tesoureiro da campanha de Dilma, o petista Edinho Silva, "está preocupadíssimo" com os rumos da investigação.

O empreiteiro dono da UTC contou a amigos o que exatamente estaria deixando Edinho Silva "preocupadíssimo". De acordo com Pessoa, a oito dias do segundo turno da eleição presidencial, ele teve uma reunião, em São Paulo, com Luciano Coutinho, presidente do BNDES. Pessoa tentava viabilizar um financiamento adicional do banco estatal para o consórcio que administra o Aeroporto de Viracopos, do qual a UTC faz parte. Teria se passado nessa reunião, segundo o relato de Pessoa, um fato que, se comprovado, seria o único deslize conhecido de Luciano Coutinho em oito anos à frente do BNDES. O empreiteiro conta que Coutinho disse que ele seria procurado por Edinho Silva, tesoureiro da campanha de Dilma. Pouco tempo depois, o tesoureiro fez contato. Ele estava em busca das últimas doações para saldar os gastos do comitê de campanha da presidente. A VEJA, Luciano Coutinho confirmou a reunião com o dono da UTC, mas negou que tenha feito a recomendação. Depois da visita de Edinho, efetivamente, a UTC doou mais 3,5 milhões de reais ao comitê de Dilma e ao diretório do PT — que se somaram aos 14,5 milhões de reais dados no primeiro turno, conforme acerto com João Vaccari Neto, tesoureiro do PT.

Para os procuradores que trabalham na Lava-Jato, os relatos de Pessoa podem ser valiosos porque ajudam a demonstrar que, na verdade, o esquema na Petrobras era o braço de uma ampla estrutura de arrecadação que se espraiava por outras áreas do governo petista. Fica cada dia mais evidente que mesmo as doações legais eram feitas com dinheiro obtido dos cofres públicos, seja por apadrinhamento por parte de instituições financiadoras, seja por corrupção pura e simples. "Era uma coisa só, o que demonstra que os pagamentos na Petrobras não se davam por exigência de funcionários corruptos e chantagistas, como o governo quer fazer crer. Era algo mais complexo, institucionalizado", diz um dos investigadores que atuam no caso.

O jogo de ameaças tem deixado as empreiteiras numa guerra de nervos. Elas travam entre si uma insólita gincana: se alguma fechar primeiro o acordo de delação, as outras ficarão prejudicadas porque talvez não tenham muito mais o que revelar. A Camargo Corrêa negocia desde o fim do ano passado, mas até agora não chegou a um consenso com o Ministério Público. Além da confissão da devolução dos recursos e do pagamento de pesada multa, uma das condições estabelecidas pelos procuradores é que a empresa revele contratos fraudados em outras áreas do governo, como o setor elétrico. A tensão envolve também a Odebrecht. A empreiteira não teve representantes presos, mas isso não significa que ela esteja imune. Investiga-se o que seria um esquema de pagamento de propina no exterior. O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa contou ter recebido 23 milhões de dólares da Odebrecht numa conta aberta na Suíça. A polícia suspeita que Alexandrino Alencar, um dos diretores da empreiteira, foi o responsável pelo pagamento. Entre 2008 e 2012, Alexandrino encontrou-se diversas vezes com Rafael Ângulo Lopez, envolvido no escândalo. Lopez contou aos investigadores que indicava contas no exterior e o diretor fazia depósitos. A Odebrecht nega que seu diretor atuasse em questões financeiras. Alexandrino era o responsável pelas relações institucionais da empresa. Em 2011, o ex-presidente Lula viajou para a Guiné Equatorial em missão oficial, representando a presidente Dilma. A convite de Lula, Alexandrino estava na comitiva. Após deixar o Planalto, o ex-presidente foi contratado pela Odebrecht como palestrante. Hoje, a empreiteira é investigada por irregularidades no Brasil, nos Estados Unidos, no Panamá e em Portugal.

Uma das construtoras envolvidas na Lava-Jato tomou uma iniciativa que dá a medida do grau de desespero das empreiteiras: encomendou e cuidou de divulgar um parecer jurídico que, assinado pelo advogado Ives Gandra Martins, defende o impeachment da presidente Dilma Rousseff. No documento — de 64 páginas e datado de 23 de janeiro —, o jurista afirma que "o assalto aos recursos da Petrobras, perpetrado durante oito anos, de bilhões de reais, sem que a Presidente do Conselho (Dilma presidiu o conselho de administração da Petrobras) e depois Presidente da República o detectasse, constitui omissão, negligência e imperícia, conformando a figura da improbidade administrativa, e enseja a abertura de um processo de impeachment". A VEJA, Gandra Martins negou que tenha produzido o parecer por encomenda de empreiteiras e afirmou ter elaborado o documento a pedido de um "amigo particular", advogado. Autor do livro O Impeachment na Constituição de 1988 e de pareceres sobre o impeachment de Fernando Collor, o jurista disse ainda que a análise da viabilidade do processo contra Dilma "é estritamente jurídica, sem conotação política".

O ambiente conflagrado tem aprofundado as diferenças entre a presidente Dilma e seu antecessor. Acostumado a medir as palavras ao criticar a presidente, Lula tem sido mais incisivo nas queixas. O motivo é a estratégia da presidente de debitar na conta do governo anterior, o de seu mentor, os prejuízos bilionários provocados pelo esquema de corrupção. Para Lula, a atitude de Dilma, além de denotar deslealdade, representa um grave perigo ao projeto de poder do partido. Seria, portanto, ingenuidade. "A Dilma está deixando as coisas correrem. Isso é um grande erro. Se nada for feito, o problema chegará a ela, porque ela era a presidente do Conselho de Administração da Petrobras", disse Lula numa conversa recente. Parceiros de longa data, empresários e governistas devem marchar juntos, segundo o ex-presidente.


COM REPORTAGEM DE DANIEL PEREIRA E HUGO MARQUES

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