sábado, 5 de julho de 2014

Vaias à reeleição


Sergio Tostes
O comportamento do poder central do país passa por momentos preocupantes. A presidente Dilma Rousseff, que dedica boa parte do tempo à sua própria campanha eleitoral, pratica atos incompatíveis com o mandato que o povo brasileiro lhe conferiu. A reeleição, infeliz ideia de um de seus antecessores, não se encaixa nas tradições políticas do Brasil e muito menos na mentalidade da população. Está visto como é negativo alguém ser candidato a um novo mandato em cargo que já esteja exercendo.

O coro mal educado com que foi agredida na abertura da Copa do Mundo, embora deplorável, não foi contra a presidente — que já teve sua chance de mostrar a que veio. Foi contra a candidata à reeleição, acuada quase escondida numa discreta fila de retaguarda, receosa de ser vista no telão do estádio. Seu semblante esquivo, algo assustado, era de quem sabia não estar ali para exercer o papel institucional que cabe a um chefe de Estado numa cerimônia cuja plateia era o mundo inteiro. Tradicionalmente, quem declara aberta a competição é o chefe de Estado que hospeda os jogos.

Mais grave é que a omissão não se resumiu apenas àquela cerimônia. A presidente deixou de acompanhar a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, chefe de governo da maior e mais rica nação da União Europeia, ao estádio na Bahia. Ainda que não seja gafe diplomática, convenhamos: foi um erro político. A menos, é claro, que a presidente tenha se apartado, de vez, da representação dos interesses do povo brasileiro. E, pior, não conseguimos nos desvencilhar de crítica a "malfeitos" acompanhada de não discreta atuação para acobertá-los. Enquanto isso, a China continua seu processo de desenvolvimento econômico, social e, principalmente, educacional; os Estados Unidos e a Europa se recuperam da crise estrutural por que passaram; e novos emergentes substituem o Brasil como destino para investimentos.

As próximas eleições trazem oportunidade única para escolha de liderança que conduza a reforma do sistema que emperra o crescimento. Os três principais candidatos são qualificados, inclusive sua atual ocupante, para bem exercer essa liderança, desde que, é certo, saibam se cercar de quadros competentes e não se deixem levar por interesses menores. A hora deve ser de união em torno de princípios éticos e de combate às forças que atravancam o desenvolvimento econômico e social. O Brasil espera dos candidatos programas de governo claros, objetivos e inteligíveis. Se for para termos mais do mesmo, o eleito contará com o lamento geral, e cenas constrangedoras se repetirão. Vaias e aplausos são direitos dos cidadãos. Autoridades, especialmente as eleitas, têm que saber que ambas são inerentes às funções escolhidas e que há apenas uma resposta para tais manifestações: a autoridade que emana do exercício honesto e competente das suas funções. Tudo o mais será mero exercício de retórica, o último bastião dos incompetentes.

Foi um erro político Dilma deixar de acompanhar a chanceler alemã Angela Merkel ao estádio na Bahia

Sergio Tostes é advogado
* Texto publicado no Globo de hoje

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