sábado, 13 de setembro de 2014

FICA, GUIDO!


Anhangüera

Alexandre Schwartsman
Alexandre Schwartsman

Vocês já conhecem Alexandre Scwartsman, um dos poucos economistas que falam em uma língua acessível à nosotros, pobres mortais. Recentemente sofreu covardes ataques governistas, por ter clareado um ou outro mistério envolvendo o Banco Central. Sem mais delongas, seu artigo.

Originalmente na Folha de S. Paulo, edição de 10 de setembro de 2014

Passei o fim de semana desnorteado. A presidente antecipou a demissão do ministro da Fazenda, que agora que desfruta da inédita condição de ex-ministro em atividade, com consequências funestas para a temperatura de seu cafezinho (pelo que me lembro, o café da Fazenda já era particularmente abominável; frio então…), assim como para qualquer iniciativa que ainda pretenda tomar no campo da política econômica.

Funestas serão também as implicações para minha vida de colunista. Desde que aceitei o convite para escrever uma vez por semana neste espaço sempre me angustiei com o tema da coluna. Suores frios, insônia, o tic-tac implacável, o cursor piscando na tela em branco… Nestas horas, porém, sempre pude contar com a contribuição inestimável de Guido Mantega: quase toda semana ele me ofereceu, de forma mais que graciosa, ideias para meus artigos, ideias que, francamente, minha parca imaginação jamais atingiria.

O desmantelamento do tripé macroeconômico, por exemplo, rendeu dezenas de colunas. A possibilidade de avaliar a tal da “nova matriz macroeconômica”, em particular prever seu fracasso com anos de antecedência (não estou me gabando: qualquer bom aluno de graduação chegaria às mesmas conclusões) foi imprescindível para o enorme sucesso desta coluna entre todos os meus 18 leitores.

Não foram poucas também as chances de detalhar as várias instâncias de contabilidade criativa: o Fundo Soberano, os empréstimos para o BNDES, a contabilização da venda de ações da Petrobrás em troca de direitos de exploração de petróleo como receita da União e, mais recentemente, a “pedalada”, entre tantos outros. Cada uma destas foi objeto de mais de um artigo e, para ser sincero, este veio ainda não se esgotou.

Isso sem contar as oportunidades únicas de comparação de declarações ministeriais prestadas em momentos distintos e geralmente contraditórias. No dia 30 de maio deste ano, por exemplo, ao comentar o pibículo do primeiro trimestre, o ministro afirmou que “a Copa do Mundo deve ajudar a melhorar a economia do país, e que o resultado do PIB no segundo trimestre provavelmente será melhor que no primeiro”.

Confrontado, porém, com a queda do PIB no segundo trimestre e a revisão para baixo do desempenho no primeiro,“o ministro culpou o cenário internacional, a seca (…) e a redução de dias úteis em função da Copa pelo resultado negativo da economia brasileira”. Por outro lado, segundo ele, não devemos nos preocupar, pois “provavelmente vai chover muito em 2015″

Desconfio ter me empolgado, mas, pelos exemplos acima deve ficar claro que a presença de Guido Mantega no Ministério da Fazenda é garantia contra bloqueios criativos, pelo menos no caso de colunistas econômicos à busca de temas. Não é outro o motivo da minha preocupação com a crônica da demissão anunciada.

Ao contrário da The Economist, que tempos atrás pediu de forma irônica a permanência do ministro, apelando à psicologia reversa, eu sou franco em meu apelo, ainda mais porque se trata, como se viu, de matéria do meu mais profundo interesse. 

Acredito, inclusive, que seria caso de mantê-lo como ministro qualquer que seja o resultado da eleição. Não é que eu deseje o mal do país, mas poderíamos deixá-lo na mesma posição que hoje ocupa, isto é, sem qualquer relevância para a formulação ou execução da política econômica; apenas para nosso entretenimento.

Agradecimento

Aproveito o espaço para agradecer às muitas expressões de apoio e solidariedade referentes à tentativa frustrada do BC em abrir queixa-crime contra mim por críticas à política adotada pela instituição, refletida na taxa de inflação acima da meta bem como acima do intervalo de dois pontos percentuais ao seu redor. Tivesse mais do que os cerca de 3800 caracteres desta coluna, agradeceria a cada um pessoalmente; na impossibilidade, manifesto aqui minha gratidão a todos.


• * ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS


(HTTP://MAOVISIVEL.BLOSPOT.COM)
E-MAIL: ALEXANDRE.SCHWARTSMAN@HOTMAIL.COM

Nenhum comentário:

Postar um comentário