HAMAS E ISRAEL
Magu
João Pereira Coutinho é escritor português, doutor em Ciência Política. É colunista do ‘Correio da Manhã’, o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro ‘Avenida Paulista’ (Record). Escreve às terças na versão impressa da Folha de S. Paulo e, a cada duas semanas, às segundas, no site do jornal.
A posição dele merece ser conhecida pelos bem-pensantes, como são os nossos leitores. E repito o que já informei aqui: Eu também não sou judeu, nem árabe.
São palavras dele: …o Hamas, que é tratado pelo jornalismo como uma mera “facção” (ou até como um interlocutor válido para a paz), é uma organização terrorista e islamita que nem sequer reconhece o direito à existência de Israel. Um pormenor? Não. O essencial. O conflito de Israel com a Autoridade Palestina…
Publicado na Folha, que não devo copiar, anteontem, socorro-me do redator Carlos Brickmann, que o reproduziu in totum no seu site. Não vou remeter ao link. Reitero o que foi publicado em Brinckmann e Associados…
DAVID E GOLIAS
Pequenas diferenças…
Sempre que escrevo sobre Israel, há um leitor que pergunta: você é judeu? A pergunta é reveladora. Significa que só um judeu pode ser suficientemente louco (ou sanguinário) para considerar que no conflito israelense-palestino é Israel quem tem razão.
Isso reflete o ar do tempo, devidamente criado pela mídia. É lógico que Israel não tem razão, dizem. É lógico que Israel sempre quis expulsar os palestinos do seu território. É lógico que Israel não quer a paz.
Infelizmente, nada disso é lógico e, pior ainda, nada disso sobrevive à história. Sim, a construção de assentamentos na Cisjordânia, pior que um crime, é um erro (obrigado, Talleyrand). Sim, Netanyahu é quase uma “pomba” no seu governo cada vez mais radicalizado.
E, sim, a direita israelense já não acredita na existência de dois Estados depois da retirada de Gaza (e dos foguetes que o Hamas passou a lançar contra Israel).
Mas antes de chegarmos a essas tristes conclusões, é preciso dizer três coisas que qualquer pessoa alfabetizada consegue entender.
Primeiro: o Hamas, que é tratado pelo jornalismo como uma mera “facção” (ou até como um interlocutor válido para a paz), é uma organização terrorista e islamita que nem sequer reconhece o direito à existência de Israel. Um pormenor?
Não. O essencial. O conflito de Israel com a Autoridade Palestina é um conflito territorial. É uma discussão sobre fronteiras; sobre a soberania de Jerusalém; sobre o destino dos refugiados palestinos; sobre o acesso à água -enfim, uma discussão racional.
O conflito com o Hamas é um problema ideológico. Basta ler a carta fundamental do grupo. Depois de prestar vassalagem à Irmandade Muçulmana (artigo 2) e de invocar os “Protocolos dos Sábios do Sião” (artigo 32) como argumento de autoridade (um documento forjado pela polícia czarista no século 19 para “provar” o conluio judaico para dominar o mundo), o Hamas não quer um Estado palestino junto a um Estado judaico.
Quer, sem compromissos de qualquer espécie, a destruição da “invasão sionista” (artigo 28) – do mar Mediterrâneo até o rio Jordão. Os foguetes que o Hamas lança não são formas de reivindicar nada: são a expressão da incapacidade de aceitar que judeus vivam no “waqf” (terra inalienável dos muçulmanos -artigo 11).
Acreditar no Hamas como “parceiro” para qualquer “processo de paz” é não entender a natureza jihadista do grupo. O Hamas não luta em nome da Palestina. Luta em nome de Alá.
Segundo: quando se fala nos “territórios ocupados”, Gaza já não está no pacote. Israel se retirou de Gaza em 2005. O território -um antro de pobreza e corrupção- é governado pelo Hamas desde a vitória nas eleições parlamentares de 2006. A partir desse ano, o Hamas entendeu a retirada israelense como uma vitória do terrorismo -e não como o primeiro passo para criar as bases de um futuro Estado palestino.
Depois de Gaza, viria a Cisjordânia e finalmente a totalidade de Israel. Uma pretensão lunática que, sem surpresas, começou por embater frontalmente com a posição mais moderada da Autoridade Palestina. Resultado?
Em 2007, o Hamas e a Fatah (uma facção da OLP) viveram uma guerra civil “de fato” que teve de ser freada por Israel.
Por último, toda a gente sabe que a solução mais realista para o conflito passa pela existência de dois Estados com fronteiras seguras e reconhecidas.
Assim foi antes da partição da Palestina pela ONU (relembro a Comissão Peel de 1937). Assim foi com a Partição propriamente dita em 1947. E, para ficarmos nos últimos anos, assim foi em Camp David (2000). Foi o lado palestino que recusou essa divisão -o maior crime cometido por Yasser Arafat contra o seu próprio povo.
De tal forma que, hoje, já poucos acreditam em divisões. Os líricos falam de um Estado binacional para judeus e árabes (um delírio que ignora, por exemplo, o que se passou na antiga Iugoslávia). Os resignados falam de três Estados: o de Israel, o da Cisjordânia (talvez com ligação à Jordânia) e Gaza (o antro do Hamas).
Simples meditações de um judeu?
Não. Para começar, não sou judeu. E, para acabar, não é preciso ser judeu para compreender que, às vezes, e contra as nossas cegas emoções, Golias tem mais razão que David.
Após já ter completado este post, li mais uma notícia que serve para carimbar a de cima:
Líder do grupo jihadista Estado Islâmico (EI), Abu Bakr al-Baghdadi, ordenou a prática da mutilação genital nas mulheres do novo califado muçulmano proclamado por sua organização, segundo um comunicado de seu organismo legal na província síria de Aleppo.
Na nota, publicada na internet, a Comissão da Legitimidade em Aleppo explica que a ordem “é de cumprimento obrigatório em todas as cidades e regiões”, sob controle dos extremistas
O EI justifica a medida por seu empenho em “cuidar” da sociedade muçulmana e evitar “a expansão da libertinagem e da imoralidade” entre as mulheres.
Já chega para os leitores ou querem mais?
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