segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Segredos e mentiras - LUCIA GUIMARÃES


O Estado de S.Paulo - 11/11

Com algumas semanas de atraso, um relutante Barack Obama pronunciou a palavra "desculpas", mas a frase escolhida parece não ter aplacado os destinatários da contrição: "Peço desculpas se eles se encontram nesta situação com base em garantias que receberam de mim".

Uau. Se há um prêmio oficial para Eufemismo do Ano, o Prêmio Nobel de 2009 pode arranjar mais uma vaga na prateleira. O presidente se referia ao fato de que repetiu dezenas de vezes, com vídeos on-line para provar, variações desta afirmação: "Se você gosta do seu atual plano de saúde, se gosta do seu médico, nada vai mudar. Ponto".

Desde o dia 1o de outubro, centenas de milhares de americanos começaram a receber cartas de cancelamento de seus planos porque ficam abaixo do mínimo de serviços determinados pela lei do Obamacare. A lei inspirou o Tea Party a fazer o público americano de refém, paralisando Washington durante mais de duas semanas. Obrigar os planos de saúde a fornecer serviços como medicina preventiva e incluir assistência de saúde mental é uma ótima ideia.

Mas uma população que varia, na boca de especialistas, de 300 mil a 10 milhões de americanos vai ter que trocar seu plano e, talvez, seu médico. Até aí, tudo bem. O problema é que a lei excluiu, sob pressão do lobby das seguradoras privadas, a opção do plano público de saúde. E, assim, dependendo do Estado onde vive, uma família americana chefiada por trabalhadores autônomos pode ter um aumento de até 500% na despesa mensal com plano de saúde. Diga isto para os milhões que não conseguiram se reintegrar ao mercado de trabalho desde a grande recessão. Ou para o recém-formado que há três anos não consegue entrar no mercado de trabalho e é jovem o suficiente para arriscar um plano de saúde fuleiro. Ou nenhum plano, como fez esta colunista, durante cinco anos de insensatez, no passado.

A contribuição dessa população de jovens saudáveis e insensatos, que vão pesar muito menos do que os baby boomers na assistência médica mais cara do planeta, é crítica para a sobrevivência econômica do Obamacare e, cada vez que escrevo esta palavra, me lembro de sua origem espúria.

O termo Obamacare foi cunhado com malícia calculada pelos republicanos para ridicularizar o mais ambicioso plano da agenda doméstica do presidente. A definição jocosa foi adotada não só por jornalistas de direita como pelos preguiçosos que cobrem o mundo de pijama no seu sofá. Na campanha de reeleição de 2012, algum mago do marketing presidencial deve ter soprado no ouvido do chefe: tome posse do apelido. E Obama saiu fagueiro nos comícios, assumindo: É isso aí, Obamacare, é a minha lei e eu me orgulho dela. Oh, brother.

Agora ficamos sabendo que o fiasco do website healthcare.gov, crucial para a inscrição no Obamacare, foi não só previsto, como exibe, na origem, seu parentesco com a obsessão pelo sigilo que começa no 11 de setembro, durante o governo de George W. Bush.

Um relatório recente do Comitê Para a Proteção de Jornalistas, sobre a relação de Barack Obama com a imprensa, recolheu depoimentos como estes: "Ele é o menos transparente dos sete presidentes que cobri" (Anne Compton, repórter da rede ABC). "Esta é a mais fechada, bizarramente controladora administração que cobri" (David Sanger, Correspondente Chefe de Washington do New York Times).

Sim, ninguém haveria de sugerir que invadir o Iraque sob falso pretexto equivale em gravidade a jogar um número indeterminado de americanos na incerteza sobre suas opções de assistência médica com um website cuja eficiência está mais para Caracas do que para o Vale do Silício. Mas é fato que o renomado economista de Harvard David Cutler, escreveu, em 2010, um memorando para Lawrence Summers, então principal assessor econômico do presidente, detalhando a impossibilidade de implementar o Obamacare com a equipe de cozinha da Casa Branca e prevendo parte do desastre em curso. Summers bem que brigou, mas foi derrotado pelos consiglieri políticos da câmara de eco em que se transformou a sede do poder executivo.

Mesmo se descontamos o sentimento de perseguição diante de um Partido Republicano disposto a impedir a qualquer preço que 45 milhões fossem integrados aos planos de saúde, a obsessão com o segredo, agora sabemos, se estendeu até a liderança democrata. A gente como a Deputada Nancy Pelosi, a quem Obama deve parte do sucesso da passagem da lei que leva seu nome. O governo tratou o lançamento da mais importante iniciativa social inclusiva dos últimos 50 anos como um Manhattan Project. Mas não alistou um Robert Oppenheimer para comandar a implementação, preferiu contar com apparatchniks trabalhando em segredo.

O sigilo fora de controle no Poder Executivo pode resultar na morte de 100 mil iraquianos ou na escuta do papo de Angela Merkel com o marido. Acaba de reclamar nova vítima, o lançamento do Obamacare.

Nenhum comentário:

Postar um comentário