Reportagem de Alana Rizzo e Bela Megale, publicada em edição impressa de VEJA
GANGUE DAS LOIRAS — ISCAS DE POLÍTICO
Quem eram as mulheres que seduziam prefeitos do Norte e do Centro-Oeste para que caíssem no conto dos fundos de investimento, que rendeu à quadrilha 50 milhões de reais
Qualquer um que tenha visitado o Congresso Nacional certamente reparou nelas. Destoando do figurino dominante, as “pastinhas” circulam pelos corredores com saias mínimas, maxissaltos e decotes mesmerizantes.
Sua função é chamar a atenção dos congressistas para convencê-los a incluir sua assinatura em listas de apoio a projetos de lei. Têm sempre uma prancheta na mão e, para guardar as assinaturas colhidas, carregam o acessório que deu origem ao apelido. Quanto maiores os predicados da pastinha, menor é a atenção que os políticos costumam dar ao teor dos textos.
Há pouco mais de dez dias, a Polícia Federal desbaratou uma quadrilha que usou a mesma tática e mão de obra para arrancar, em um ano e meio, 50 milhões de reais de prefeitos distraídos.
A pastinha Luciane Hoepers é apontada como a arma mais letal do grupo. Catarinense de 33 anos, loira de muitas tatuagens e olhos verdes, ela chegou a atuar em programas de televisão, como um reality show em que declarou sua filosofi a de vida: “Nascer pobre é destino, mas morrer pobre é burrice”.
O destino de Luciane começou a mudar quando conheceu o doleiro Fayed Traboulsi, de quem se tornou amante em 2012. Com uma carteira de clientes que inclui diversos políticos de Brasília, ele é apontado pela PF como o articulador do esquema. Cabia ao doleiro, além de comandar o desfalque, arregimentar as mulheres.
A maioria chegava a ele por meio de amigos. Cynthia Cabral Soares da Cruz, por exemplo, exceção morena num grupo de loiras, é filha de um conhecido agiota do Distrito Federal.
Outra ex-pastinha que, segundo as investigações, atuava na quadrilha é Fernanda Cardoso. Ela teria entrado para o bando depois de ser apresentada a Fayed por uma assessora do senador Magno Malta (PR-ES), Marta Lança, também detida na ação da PF. Todas foram acusadas, entre outras coisas, de crime contra o mercado de capitais, formação de quadrilha e corrupção ativa.
As transcrições das conversas gravadas pela polícia mostram que a relação entre as beldades de Fayed não era propriamente harmoniosa. Em um dos diálogos, Fernanda sugere ao chefe que Cynthia se veste mal: “Tem que botar ela para comprar roupa”. Um pouco antes, o doleiro já havia dado mostras de que tinha perdido a paciência: “Não quero mais fofocas por aí. Vamos parar com isso. Pronto e acabou, tá?”.
Completava a equipe a estudante de direito Isabela Barros, de 24 anos, apresentada ao grupo quando fazia um curso sobre fundos de investimento, segundo sua mãe.
A tarefa das meninas de Fayed consistia em convencer prefeitos a investir o dinheiro de fundos municipais de previdência em fundos de investimento falsamente rentáveis indicados por elas — e controlados por cúmplices da quadrilha. Obtido o aporte, o grupo retirava a maior parte do dinheiro e deixava o negócio “quebrar”. Os fundos municipais amargavam o prejuízo.
Ao menos quinze prefeitos, a maioria das regiões Norte e Centro-Oeste, se deixaram seduzir pelos encantos das meninas de Fayed e puseram recursos no esquema. Para as primeiras aproximações, a gangue contava com a intermediação de lobistas que agendavam os encontros com as mulheres.
Um deles seria o deputado estadual Samuel Belchior (PMDB-GO). Ele foi flagrado nas gravações ensinando a Luciane como se portar diante das presas. “Ganha confiança, faz amizade, encontra, conversa e tal. Sempre sabendo qual seu foco principal”, diz. “Um poder grande que você tem é o físico. Então, a pessoa às vezes se aproxima de você primeiro pelo quê? Pela sua beleza, pela pessoa e tal, depois pelas outras coisas. Uma coisa leva a outra.”
Uma parte dos lucros da quadrilha foi transformada em carros de luxo usados por Fayed: Ferrari, Lamborghini, Porsche, BMW e Mercedes. Mas a vida das pastinhas também melhorou ostensivamente. Como conta um fotógrafo que conheceu Luciane no tempo das vacas magras e que a reencontrou recentemente em uma sessão de fotos: “Dava para ver na postura confiante e na bolsa de grife que ela tinha dado um salto na vida”.
Em março deste ano, Luciane posou para uma revista masculina do Recife. O título do ensaio era “A gata que balança o mercado financeiro”. Na entrevista que acompanhava as fotos, ela falava do seu “trabalho” e descrevia as tatuagens. “Tenho desenhos como dragão, lagartixa e aranha, animais peçonhentos que ilustram minha força de personalidade, arte de renovação e mistérios de uma fêmea”.
Muitos pagaram alto para conhecer esses mistérios. Espera-se agora que eles arquem com o preço de ter feito isso com dinheiro alheio.
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