Reportagem de Thaís Botelho, com colaboração de Marília Leone, publicada em edição impressa de VEJA
INTERVENÇÕES RADICIAIS
A busca de uma suposta beleza extrema leva a transformações corporais possibilitadas por recursos médicos sem precedentes.
O autor das fotos mais discutidas do ramo avisa: todos poderão ser assim no futuro
As pessoas nas fotos desta matéria são estranhas ou assustadoras?
Feias ou belas?
Uma mistura de tudo isso?
O traço em comum é que certamente buscam um padrão de beleza hiperrealista, uma radicalização de elementos que, isoladamente, seriam considerados desejáveis, mas que causam a sensação de estranheza quando colocados juntos por meios só atualmente disponíveis da medicina estética.
Alguns homens, mulheres e adolescentes trilham hoje esse caminho extremo em circunstâncias diferentes. As duas pessoas com a aparência mais feminina nas fotos abaixo, nada surpreendentemente, são transexuais. Foram retratadas pelo fotógrafo inglês Phillip Toledano com iluminação e tonalidades que lembram intencionalmente pinturas renascentistas, com o objetivo explícito de não mostrá-las como aberrações.
Na verdade, ele acredita que sejam o futuro. Toledano fotografa gente que se submete a múltiplas e radicais cirurgias no intuito de atingir uma imagem de perfeição estilizada.
Boca carnuda? Colocam tanto preenchimento labial que é difícil imaginar como conseguem falar.
Seios fartos? Usam próteses tão pesadas que a pele ameaça romper-se.
A loura Allanah Star, um nome evidentemente de fantasia, fez mais de dez liftings no rosto e cinquenta outros procedimentos estéticos, tem 2 litros de silicone nos seios e uma prótese para arredondar o maxilar.
Há dezoito anos, a americana fez a primeira e a mais importante das cirurgias, a que a livrou do sexo masculino. “Sempre quis ser uma mulher cheia de curvas. Quanto mais volume, mais sucesso tenho na minha profissão”, diz.
Com razão: sua linha de trabalho são os filmes eróticos.
Ele fez 112 intervenções e se acha o homem mais bonito do mundo
O jovem com ar de elfo é o ex-modelo americano Justin Jedlica. Já fez 112 intervenções e imagina: “Sou o homem mais bonito do mundo”.
As principais? “Raspei o osso da testa para deixá-la reta, fiz cinco plásticas no nariz e tenho silicone no peito, nos braços e nas pernas.”
Seu sonho: “Que as próteses de silicone, no futuro, levem meu nome”.
Tanto ele quanto Allanah e a terceira fotografada, Yvette, atualmente sofrendo de grave enfermidade, claramente buscam copiar os traços da atriz Angelina Jolie.
Referência de feminilidade triunfante e de tudo o que se entende por belo na era atual, a própria Angelina é adepta de uma das formas mais antigas de alteração corporal — as tatuagens — e chocou o mundo ao anunciar que havia trocado os seios naturais e saudáveis por próteses, por medo da probabilidade aumentada de câncer.
“É claro que as questões envolvidas vão muito além da beleza, abrangendo a facilidade atual de produzir transformações radicais e a enorme influência que as celebridades exercem”, analisa Catherine Hakim, cientista social do Centro de Estudos Políticos, em Londres.
Na categoria de suposta beleza radicalmente construída, enquadra-se o grupo específico das meninas que querem se parecer com as figuras dos mangás, as histórias ilustradas do Japão.
Uma hora por dia só para maquiar os olhos — e parecer uma boneca
A ucraniana Anastasiya Shpagina (na foto que abre esta matéria), 19, tem 1,58 metro de altura e vive em regime extremo para pesar mínimos 38 quilos.
Acorda todos os dias às 5 da manhã para se maquiar (só os olhos, anormalmente enormes, demandam uma hora de pintura) e se vestir a caráter. “Não me pareço com uma boneca. As bonecas é que se parecem comigo”, costuma dizer Anastasiya.
A californiana Dakota Rose, 17, conhecida como Kotakoti no Japão, onde trabalha como modelo, faz vídeos de maquiagem nos quais mantém um silêncio misterioso. “Bonecas não falam”, explicou em uma de suas raras entrevistas.
As pessoas foram embora da galeria para não ver as fotos
“Em pouco tempo, por meio de procedimentos estéticos muito mais avançados, qualquer um vai poder se parecer com o que quiser. As pessoas que vemos aqui são a vanguarda desse movimento”, provoca o fotógrafo Toledano.
As intervenções corporais são um padrão existente desde sempre em todas as culturas humanas, mas Toledano sabe muito bem da estranheza que os recursos estéticos atuais podem criar: “Quando minhas fotos foram expostas em galerias, muita gente saiu antes de ver todas”.
Dificuldades para andar e para comer e pulmões afetados — mas ela se acha linda com 40 cm de cintura
A estudante alemã Michèle Köbke, 24, diz que nunca sentiu esse tipo de reação nas pessoas e sua transformação corporal, com o objetivo de ter a cintura mais estreita do mundo, não teve nenhuma cirurgia envolvida.
Durante três anos, Michèle diz que usou ininterruptamente espartilhos apertadíssimos, como os do século XIX, para afinar a circunferência da cintura de 64 para meros 40 centímetros. “Eu acho que fico sexy assim. Tenho a sensação boa de estar sendo abraçada pelo espartilho”, diz Michèle, que não pode mais fazer refeições normais devido ao afunilamento do estômago. “Faço dez lanches por dia e minha saúde é ótima.”
Na realidade, ela tem dificuldade para andar porque perdeu músculos de sustentação das costas e da barriga, e sente falta de ar porque seus pulmões se fragilizaram.
A filha do ex-craque Caniggia: “Pareço a Barbie”
“É nítido que essas pessoas têm algum grau de dismorfia corporal. Elas têm uma percepção deturpada da própria imagem”, diz Fábio Nahas, professor de cirurgia plástica da Unifesp. “Se elas acham uma boca grande bonita, ficam tão obcecadas que, por mais que façam intervenções estéticas, nunca vão sentir que atingiram o volume desejado”, analisa Ricardo Monezi, professor doutor em psicologia e pesquisador do Instituto de Medicina Comportamental da mesma instituição.
Mas a mudança de padrões idealizados de beleza certamente se dissemina. Basta olhar para os corpos selecionados em programas de grande público, como as diferentes versões de Big Brother. Charlotte, de 20 anos, filha do ex-jogador argentino de futebol Claudio Caniggia (o mesmo Caniggia autor do gol que eliminou a Seleção Brasileira da Copa de 1990, na derrota de 1 x 0), já tinha feito diversas intervenções quando participou do Big Brother argentino.
Há dois meses, radicalizou e, num dia só, estufou os seios com 1,2 litro de silicone, arrebitou a ponta do nariz e fez uma lipo. “Estou feliz. Pareço uma Barbie”, comemora.
E tem médico que acha natural…
“Não tem perigo algum. Meninas com 18 anos podem pôr silicone, operar o nariz e fazer várias outras cirurgias. Atendo 6.000 adolescentes por ano”, diz o médico de Charlotte, Alberto Ferriols.
O conceito de responsabilidade médica pode ser tão flexível quanto os padrões de beleza.
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