sábado, 20 de julho de 2013

Mal-entendido fatal, por Merval Pereira, O Globo


O presidente da seção do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, nega que tenha feito um pacto com o comandante da Polícia Militar para que não fosse usado gás lacrimogêneo ou bombas de dispersão nas manifestações, mas admitiu que fez “algumas ponderações”.
O comandante Erir Ribeiro da Costa Filho atribuiu a esse pretenso acordo com a OAB e movimentos de direitos humanos, como a Anistia Internacional, a perda de controle da situação na noite de quarta-feira no Rio, quando várias lojas foram saqueadas, equipamentos urbanos, depredados, e barricadas de fogo, colocadas ao longo da Avenida Ataulfo de Paiva, no Leblon, durante várias horas por ação de baderneiros, sem que a polícia interviesse.
Segundo Santa Cruz, as ponderações que fez, por conta especialmente do episódio da clínica médica em Laranjeiras invadida no domingo, com doentes terminais passando mal, foi sobre o uso cuidadoso principalmente do gás lacrimogêneo, e “claro que preferíamos a utilização das armas não letais”. E também sobre “o momento da utilização”.
Santa Cruz diz que ponderou com as autoridades que os Black Blocs (bandos de anarquistas que têm a depredação de prédios públicos e bancos como ação política) “saem da manifestação, batem na polícia, recuam, e a polícia, ao jogar gás lacrimogêneo, apenas espalha o movimento”.
Para ele, a OAB “sempre teve uma posição muito firme de que qualquer manifestação que desbordasse em violência, fora da legalidade, deveria ser reprimida pela PM”. Santa Cruz disse que teve o cuidado de ser muito claro na relação com a PM “para evitar que a OAB fique naquela posição clássica, como se ela estivesse dando cobertura a qualquer tipo de ilegalidade. Paguei um preço alto em críticas pelo que aconteceu no Leblon”.
Na terça-feira, diz Santa Cruz, o comandante da Polícia Militar pediu que os advogados ficassem entre os manifestantes e a polícia, “e eu não concordei. Acho um absurdo colocar advogados como escudo”. Houve a determinação, então, para que os advogados acompanhassem de trás as manifestações, relata Santa Cruz.
O presidente da OAB do Rio fez críticas à ação da Polícia Militar: “Depois dessas badernas, nós estamos estranhando que não chega às delegacias no final da noite nenhum desses Black Blocs, ou chegam pouquíssimos”.
Segundo ele, o que tem acontecido é que a PM, “após se omitir, deixar que esses grupos atuem, passa no final da noite recolhendo pessoas, e já recolheu cadeirante, recolheu mendigos. Quando chegam à delegacia, a Polícia Civil, que tem desempenhado um bom papel, não tem condições de fazer a ocorrência dentro da lei”.
Há informações de que a OAB está mandando advogados para as delegacias para soltar os presos, mas Felipe Santa Cruz diz que o que existe é um movimento que nasceu também espontaneamente no Facebook, chamado Habeas Corpus, formado por advogados.
Ele explica que parte do trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil tem sido acompanhar tecnicamente nas delegacias os casos de prisão, “e há uma determinação nossa de que toda e qualquer ação ilegal deve ser combatida”.
Santa Cruz diz que a OAB faz o acompanhamento das manifestações desde o seu início, e a preocupação era “garantir a liberdade de manifestação, nunca a defesa desses baderneiros”. Ele ressalta que fazem esse acompanhamento a convite da própria PM, para verificar se as leis estão sendo cumpridas e os direitos humanos, respeitados nos procedimentos policiais nas delegacias.
“Mas basicamente atendendo à população que vem sendo presa sem razão nenhuma. Nós proibimos os advogados de trabalharem em nome da Ordem na defesa dos que são acusados formalmente de baderna. Claro que todos têm direito a advogados, mas devem procurar por conta própria”.
De duas, uma: ou o comandante da PM, Erir da Costa Filho, levou a sério demais as “ponderações” do presidente da OAB do Rio, ou Felipe Santa Cruz transformou em meras “ponderações” o pacto com a Polícia Militar depois do resultado desastroso de sua mediação.

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