Reportagem de Gabriele Jimenez, publicada em edição impressa deVEJA
PARADA NO TEMPO
Murici, a cidade onde a família do senador Renan Calheiros se reveza no poder, é privilegiada em verbas federais, mas boa parte da população ainda vive na miséria
Município de 27 000 habitantes situado a 50 quilômetros de Maceió, Murici frequenta com certa assiduidade o noticiário nacional por três motivos – todos lamentáveis: inundações devastadoras, escândalos de desvio de dinheiro público e o fato de sempre ter na prefeitura, em esquema de revezamento, políticos de sobrenome Calheiros.
A família domina há mais de trinta anos (21 deles ininterruptos) a administração municipal, muito embora seu filho mais famoso, o presidente do Senado, Renan Calheiros, 57 anos, só apareça por lá em campanha ou em dia de inauguração. Chafurdado em alguns dos piores indicadores socioeconômicos do Brasil – até mesmo para os padrões alagoanos -, Murici é o resultado da velha política assistencialista, cujas raízes remontam ao coronelismo.
Um terço dos moradores não sabe ler nem escrever, 65% dependem do Bolsa Família para sobreviver e o Índice de Desenvolvimento Humano rasteja em 0,58 (numa escala que vai de 0 a 1). Uma das maiores escolas públicas muricienses, com 560 alunos, funciona em salas de chão de terra separadas por tapumes. As crianças saem uma hora mais cedo porque a escola não oferece merenda. O problema não parece ser, nesse caso, de miséria. Um processo que aponta irregularidades nas verbas de merenda na cidade já chegou ao Supremo Tribunal Federal.
O assunto que alvoroça os moradores é o destino de mais de 2000 casas construídas com verba federal de 95 milhões de reais. Na teoria, seriam destinadas às famílias desalojadas na enchente de 2010, que deixou quase 10000 desabrigados e nove mortos. Na prática, não tem sido assim.
As casas estão prontas: são dois conjuntos habitacionais novinhos, o Olavo Calheiros – patriarca do clã e primeiro a fincar pé no poder, ao assumir a prefeitura, em 1980 – e o Pedro Raposo Tenório, de família aliada política dos Calheiros.
A maioria desses imóveis foi distribuída segundo critérios duvidosos, que quase sempre privilegiam os mais próximos do poder. O Ministério Público Federal determinou à prefeitura que refaça a lista de cadastrados levando em conta critérios menos clientelistas.
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