Ana Carolina Peliz
Entre as lendas contadas sobre os franceses, a mais mentirosa é a que eles se recusam a falar inglês. Eu não consigo entender por que é tão difícil para as pessoas aceitarem que, quando eles não respondem as perguntas dos turistas, não é porque sejam arrogantes ou algo parecido, mas simplesmente porque muitos franceses não sabem falar inglês.
A questão das línguas estrangeiras na França é tão complicada que virou um complexo nacional e acabou se tornando um bloqueio.
Programas de televisão, jornais e literatura especializada debatem sobre o tema se perguntando por que razão os outros europeus aparentemente falam inglês e os franceses não.
Eu não acredito que os franceses tenham dificuldade em falar idiomas. Conheço muitos que falam bem até duas línguas estrangeiras, mas observei alguns pontos que poderiam explicar a razão do bloqueio que alguns construíram. Para mim, a primeira delas é um altíssimo grau de exigência.
Na França não existe o conceito “fluente”. Se você fala uma língua estrangeira, você deve ser “bilíngue”, ou então melhor nem abrir o bico.
Os franceses não entendem que ninguém é bilíngue por esforço, mas por acidente, porque nasceu em uma família com duas culturas. Ou seja, eles começam a aprender um idioma sabendo que não vão alcançar os objetivos exigidos.
Eles também aprendem inglês em escolas tradicionais, com uma péssima metodologia, professores castradores e, para completar, quando começam a balbuciar “the book is on the table”, já são obrigados a escolher uma segunda língua, que pode ser alemão ou espanhol.
Então, imagine a situação: aos 10 anos eles têm que falar a língua mais complicada da face da terra, que é o francês, mandar bem no inglês e ler e escrever em alemão ou espanhol!
Resumo da ópera, com tanta exigência, não aprendem nenhuma língua, acabam ficando traumatizados, concluem que são os piores do mundo em idiomas e que são incapazes de aprender línguas estrangeiras.
Além disso, o francês, durante muito tempo foi um idioma falado no mundo inteiro. Até hoje, em alguns países, é a segunda língua mais falada antes mesmo do inglês. Por isso, os franceses têm o conforto (e em alguns casos o alívio!) de saber que em alguns lugares do mundo, a língua de Molière ainda é praticada.
Quando o turista chega falando inglês, algumas pessoas entram em pânico e reagem mal. Mas não se preocupe, não é nada contra você ou contra o inglês, é simplesmente um complexo nacional.
Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV. Ela escreve aqui todas as quintas-feiras.
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