segunda-feira, 20 de maio de 2013

Cartas de Londres: A sinceridade se ganha com tempo



Mauricio Savarese
Nunca acredite em um britânico que você acabou de conhecer. A falta de confiança e a preocupação com as suas reações o deixará tateando o território até ele dizer algo crítico ou elogioso. Pode levar um ano. Pode nunca acontecer. Mas dificilmente será em um mês ou dois.
Para saber uma opinião honesta, mais do que habilidade em perguntar, é necessário ter paciência. É justo que nem todos tenham.
Um parâmetro sobre a sinceridade local são as reações sobre a moça mais bonita da classe. No início, apenas olhares silenciosos. No fim do terceiro mês, buscavam um cúmplice, faziam cara de conteúdo e puxavam conversa sobre outro assunto. Passados seis meses, geralmente no bar, alguém soltaria um “ela está em forma” (em forma!!!). Agora já não posso escrever o que dizem.
O mesmo colega que era “misterioso” vai se transformando: “difícil”, “não temos muito em comum”, “idiota”, e “eu sempre soube que esse cara era um bastardo, espero nunca mais vê-lo depois que isto aqui acabar”. Isso não significa que o objeto da ofensa tenha realmente mudado ao longo do ano. Mas a libertação da sinceridade demora.
É claro que o tempo de todos não é igual. Por isso fica evidente o controle sobre a sinceridade quando a intimidade não justifica.
Um dos britânicos com os quais não me enturmei me pergunta há um ano sobre o que acho daqui. Sempre disse o que achava, das melhores às piores impressões. A resposta dele não mudou: “Sempre que sai algo do Brasil nos jornais eu leio”.
Graças a uma amiga indiscreta descobri que ele teve namorada cearense, foi ao Brasil atrás dela e detestou o que encontrou. Ela me contou que o moço, seu ex-colega de faculdade, quis ser diplomata e desistiu por ser péssimo em idiomas. Gosta de poesia. “Aqui nós também temos conhecidos e amigos de verdade. Mas eu nunca digo a um conhecido algo que só diria a um amigo. É arriscado”, ela diz.
A etiqueta do silêncio e do “só diga o que você acha a quem você conhece” tem pouco a ver conosco. A da sinceridade cáustica muitas vezes tem mais semelhanças, mas o tanto de barreiras no caminho me dá a impressão de que poucos brasileiros chegam nessas etapas sem convivência diária com os locais.
Talvez por isso o país não seja tão aconchegante quanto outros cantos da Europa. Eles realmente discordariam. Mas a alguns acho que já estou autorizado a dizer na cara.

Mauricio Savarese é mestrando em Jornalismo Interativo pela City University London. Foi repórter da agência Reuters e do site UOL. Freelancer da revista britânica FourFourTwo e autor do blog A Brazilian Operating in This Area.Twitter:@msavarese.

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