RUTH DE AQUINO
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Os argentinos têm cinco prêmios Nobel. Os brasileiros, nenhum. Os argentinos têm dois Oscars. Nós, nenhum. Os argentinos têm vários deuses no futebol. Nós também. Sou muito mais Messi que Neymar. Os argentinos têm uma mulher na Presidência. Nós também. Sou mais Dilma que Cristina. Argentinos e brasileiros amam um churrasco ou uma parrillada. A carne deles é muito melhor, mais saborosa e mais macia. Agora, perdemos não só na carne, mas no espírito. Os argentinos têm um papa.
Por ser jesuíta e andar sem batina de metrô e ônibus, por se recusar a receber carro e casa mesmo sendo arcebispo, por trabalhar com carentes, por não discursar em favor da Cúria e não estar associado às contas suspeitas do Banco do Vaticano, sou mais Jorge Mario Bergoglio que Odilo Scherer. O que mais me conquistou no primeiro papa Francisco, de cara? O sorriso e a concisão ao saudar os fiéis, pedindo a eles sua bênção. Poucas palavras, nenhuma carranca – e o sorriso que ilumina os olhos.
A ascendência conta na personalidade. Bergoglio é um argentino-italiano, enquanto Odilo é um alemão-brasileiro. Na estampa, na postura. Sem entrar no mérito individual, para enfrentar os dilemas da Igreja Católica, os escândalos sexuais e financeiros e a perda de fiéis, falo apenas de uma questão prosaica: simpatia. Não é pop ter um papa que lê Borges e Dostoiévski e aprendeu a cozinhar com a mãe?
Dom Odilo perdeu também por ser favorito. Como os craques dos gramados, sofreu uma marcação cerrada desde antes do conclave, especialmente dos italianos, que queriam seu conterrâneo no trono, o cardeal Angelo Scola. Os carrinhos por trás no arcebispo de São Paulo deixaram o arcebispo de Buenos Aires livre na cara do gol. Era o homem certo na hora certa. Faz sentido que o primeiro papa de fora da Europa em 1.272 anos tenha sobrenome italiano, ame ópera e seja torcedor apaixonado de futebol – mais exatamente, do clube portenho San Lorenzo, fundado por um padre.
Por ser jesuíta e andar sem batina de metrô e ônibus, por se recusar a receber carro e casa mesmo sendo arcebispo, por trabalhar com carentes, por não discursar em favor da Cúria e não estar associado às contas suspeitas do Banco do Vaticano, sou mais Jorge Mario Bergoglio que Odilo Scherer. O que mais me conquistou no primeiro papa Francisco, de cara? O sorriso e a concisão ao saudar os fiéis, pedindo a eles sua bênção. Poucas palavras, nenhuma carranca – e o sorriso que ilumina os olhos.
A ascendência conta na personalidade. Bergoglio é um argentino-italiano, enquanto Odilo é um alemão-brasileiro. Na estampa, na postura. Sem entrar no mérito individual, para enfrentar os dilemas da Igreja Católica, os escândalos sexuais e financeiros e a perda de fiéis, falo apenas de uma questão prosaica: simpatia. Não é pop ter um papa que lê Borges e Dostoiévski e aprendeu a cozinhar com a mãe?
Dom Odilo perdeu também por ser favorito. Como os craques dos gramados, sofreu uma marcação cerrada desde antes do conclave, especialmente dos italianos, que queriam seu conterrâneo no trono, o cardeal Angelo Scola. Os carrinhos por trás no arcebispo de São Paulo deixaram o arcebispo de Buenos Aires livre na cara do gol. Era o homem certo na hora certa. Faz sentido que o primeiro papa de fora da Europa em 1.272 anos tenha sobrenome italiano, ame ópera e seja torcedor apaixonado de futebol – mais exatamente, do clube portenho San Lorenzo, fundado por um padre.
Há uma descrição popular bem conhecida da alma de nossos hermanos. Os argentinos são italianos que falam espanhol, mas pensam que são ingleses. Essa última parte da descrição está cada vez mais fora de moda, especialmente depois do recente plebiscito de cartas marcadas nas Malvinas. No arquipélago, um protetorado britânico com menos de 2 mil habitantes, a população continua entrincheirada nos pubs e no “fish and chips”, contra a reivindicação de soberania territorial da Argentina. Melhor dizer então que os argentinos pensam que são europeus. Até na decadência.
Hoje, nosso vizinho está acossado por uma economia em frangalhos, pelo desemprego em alta, pela inflação que provocou uma medida eleitoreira desastrada – o congelamento de preços – e pelo populismo de Cristina Kirchner, a presidente que sonha sair do poder apenas quando puder ser embalsamada. Vivemos agora com a Argentina tempos difíceis, que vão além da rivalidade folclórica e cultural. A Vale acaba de suspender o maior investimento privado da história da Argentina, de quase US$ 6 bilhões, por riscos políticos e econômicos.
Por tudo isso, a declaração espirituosa do novo pontífice – “Foram quase até o fim do mundo para buscar um papa” – se reveste de vários significados. Ele critica o governo Kirchner. A Argentina é bem mais fim do mundo que o Brasil. O papa Francisco virá ao Rio de Janeiro para a Jornada da Juventude e deverá ser sucesso de crítica e bilheteria, por seu temperamento afável. Bergoglio passou rapidamente de argentino a “latino-americano”, para o Brasil também poder comemorar. Assim, a gente esquece que nossos vizinhos dão de cinco a zero em prêmios Nobel (dois da Paz, dois de Medicina e um de Química) e dois a zero em Oscar (O segredo dos seus olhos, de Juan José Campanella, em 2010, e A história oficial, de Luiz Puenzo, em 1985). O cinema argentino é mais sofisticado, mais diversificado e tem melhores diálogos que o brasileiro. Escapa de nosso costumeiro trinômio violência, favela e comédia.
No futebol, a disputa é entre Messi e Neymar. O moleque de 21 anos precisa comer muito arroz com feijão para chegar à consistência do argentino. Messi só pensa na bola e na equipe. Aí dá o show da semana passada na goleada do Barcelona contra o Milan. Neymar precisa baixar a bola. Entrou na roda-viva de festas, boates, casas de shows, publicidade, brinquinhos de diamante, penteados, franjinhas e cabelos coloridos. Na mesma noite, trocou o smoking no Teatro Municipal do Rio de Janeiro por uma fantasia de Kiko, personagem do seriado Chaves, numa festa em São Paulo, onde ficou até as 4 horas da madrugada com a atriz Bruna Marquezine. Discutiu com fotógrafos. Seis horas depois, foi treinar no Santos. Imagina na Copa
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