O governo deve deixar de lado a atitude de negação e encarar de frente os riscos que existem na área do suprimento de energia. Essa é a única forma de reduzir os perigos de o Brasil ter uma crise nesse fornecimento. Há semelhanças e diferenças em relação a 2001, mas ainda há tempo de se evitar o pior cenário, desde que a preocupação principal deixe de ser negar o risco de apagão.
Em 2001, houve falta de planejamento, crescimento forte no ano anterior, nenhum sistema de contingência para a queda de água nos reservatórios e uma seca terrível.
Agora, houve seca forte e faltou planejamento. Nisso, é parecido com 2001. Mas, desta vez, o país não cresceu no ano passado e está funcionando a contingência, que foi montada para sair do apagão de 2001.
Muita coisa poderia ter sido feita nesse período entre o governo Fernando Henrique e o atual. Uma delas seria ter aperfeiçoado o seguro anticrise com mais geração de energia limpa.
Hoje, o Brasil está usando energia gerada por térmicas a carvão e óleo combustível, que são sujas e caras. As usinas que usam gás natural ajudam a compor esse suprimento extra, mas criam outro problema que é a falta de gás para uso industrial.
O setor elétrico tem diagnósticos diferentes. O presidente da Associação dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine), Luiz Fernando Vianna, acha que o governo deveria ter apostado ainda mais em energia fóssil.
— O principal fornecedor de gás, que é a Petrobras, está tendo problemas de oferta. Deveríamos ter tido mais licitações de térmicas de todos os tipos, inclusive a carvão. A geração de energia não é a principal causa do efeito estufa, mas o governo deveria ter combatido mais as queimadas, para que se pudesse ter mais térmicas e um sistema mais seguro — disse.
Combater queimadas está certo, mas aumentar energia fóssil vai na contramão do que o mundo tem feito, que é apostar nas novas energias renováveis. Mas ele tem razão em outro ponto. Acha que houve descasamento de alguns projetos, porque usinas de geração de energia ficaram prontas antes das linhas de transmissão. Também houve anos com pouca oferta para projetos de linhas de transmissão, segundo Vianna.
As ações das empresas estão caindo, como explica o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, porque a baixa dos reservatórios coloca mais pressão sobre o caixa das hidrelétricas e das distribuidoras.
— As hidrelétricas terão que comprar energia no mercado livre acima de R$ 500 e revender a um preço bem mais baixo, na casa de R$ 100. Elas precisam entregar energia porque têm contratos firmados, independente de ter água ou não. Já as geradoras vão pagar à vista pela energia das térmicas e só vão ser ressarcidas pelos consumidores de forma parcelada em 12 meses. Há uma pressão adicional sobre corpos frágeis, as empresas já perderam muito com a MP 579 — disse Sales.
Para o presidente da Abiape (Associação dos Investidores em Autoprodução de Energia), Mário Menel, o que preocupa é o uso das térmicas ao longo do ano, para evitar o racionamento. Isso significaria consumo maior de energia mais cara:
— Há um cenário pessimista, mas com probabilidade grande, que é o de ter as térmicas acionadas por bastante tempo. Isso pode acontecer se as chuvas não vierem a ponto de encher os reservatórios e a economia crescer forte. Teremos energia mais cara para as indústrias e para os consumidores.
O governo poderia ter evitado que se chegasse nessa situação se tivesse admitido mais cedo o problema. Mas a preocupação principal das autoridades têm sido a de negar a existência de risco, para não parecer que repete o mesmo erro do governo tucano, em vez de agir para atenuar o problema.
O Brasil tem um sistema muito dependente de fonte hídrica em tempo de mudanças climáticas, em que se prevê muito estresse hídrico. Novos eventos de secas fortes vão ocorrer com mais frequência. Por isso, é fundamental apostar nas novas energias renováveis para complementar a matriz.
Tomara que a reunião de hoje não seja mais uma em que o governo tentará tapar o sol com a peneira. A melhor forma de evitar uma crise é admitir o risco para evitar que ele ocorra.
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