quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A Venezuela desmoraliza o Mercosul (Editorial) O Globo


 Ricardo Noblat - 
8.1.2013
 | 19h02m
POLÍTICA


Não podia ser mais digna de um regime autoritário a falta de transparência com que o chavismo lida com a doença do chefe máximo, internado em Cuba para a quarta cirurgia devido a um câncer.
Impressionam as fórmulas mirabolantes que os mais próximos a Hugo Chávez apresentam para contornar o “estorvo” de a Constituição da Venezuela determinar para o dia 10, quinta-feira, a posse para um terceiro mandato de seis anos, diante da Assembleia Nacional (Congresso).
Segundo a Carta, se o eleito não puder se apresentar ao Congresso na data indicada, deverá fazê-lo diante do Supremo Tribunal de Justiça, sem especificar data ou local. É nisto que se baseia o politburo chavista para alegar que a posse pode ser feita “no futuro”, diante do órgão máximo do Judiciário.
O agravamento da doença de Chávez explodiu no colo do pequeno grupo que ocupa os postos-chave em torno do comandante. É o que acontece com todos os modelos políticos construídos ao redor do culto à personalidade e à concentração de poder em torno do chefe único, onisciente e onipotente.
É da própria natureza desses regimes a tentação de não obedecer a regras de troca de comando, na vã suposição da “imortalidade” de seu líder.
O máximo que conseguem é adiar o desfecho, ganhando tempo para negociar internamente a sucessão, ou para que a luta intestina aponte um vencedor. Enquanto isto, o líder agonizante é mantido vivo à custa de aparelhos, ou a notícia de sua morte é adiada tanto quanto possível.
Antes de partir para Havana, Chávez indicou o vice-presidente Nicolás Maduro como substituto. Ele assume se o presidente morrer antes do dia 10 (para completar o mandato).
Mas Maduro tem um rival muito forte em Diosdado Cabello, recém-eleito presidente da Assembleia, que assumiria após o vice completar o mandato, com a missão de convocar eleições em 30 dias.
A tentativa de adiar a posse, via artifícios ilegais, cheira a golpe. Que teria sido gestado numa reunião entre os altos dirigentes do chavismo e Raúl Castro, em Havana.
O governo brasileiro despachou Marco Aurélio Garcia para acompanhar o que se passava em Havana. Ele foi como assessor especial da presidente Dilma e retornou como porta-voz do chavismo.
Ontem, já em Brasília, Garcia repetiu seguidores do caudilho ao afirmar existir a possibilidade de o mandato que se extingue quinta-feira ser prorrogado.
Quando o Congresso paraguaio aprovou o impeachment de Fernando Lugo, Brasil e Argentina, rápidos no gatilho, denunciaram um “golpe de estado” e suspenderam o Paraguai no Mercosul, com base na cláusula democrática, existente também na Unasul.
Isso porque o Paraguai era o único obstáculo à adesão plena da Venezuela ao Mercosul. Mas agora nada farão contra a Venezuela, é claro. Afinal, aquele episódio demonstrou que a cláusula democrática não valia para todos. Desmoralizam-se as duas alianças.

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