domingo, 13 de janeiro de 2013

A Venezuela em seu labirinto, por Miriam Leitão



Miriam Leitão, O Globo
A América Latina parece realismo fantástico. A posse de corpo ausente de Hugo Chávez foi um ritual não escrito na Constituição do país, nem de qualquer democracia. A sensação é de que a ficção de Gabriel García Márquez é, na verdade, uma crônica atemporal da região. O enredo vivido poderia se chamar O Governante em seu Labirinto; O Outono do Coronel; ou Ninguém vê o Coronel.
Deplorável ver o contorcionismo da diplomacia brasileira para justificar que concorda com a solução ao arrepio da Constituição venezuelana, apesar de ter liderado a suspensão do Paraguai do Mercosul.
O Itamaraty disse que não cabe ao Brasil julgar a constituição de outros países. Falta saber por que com o Paraguai foi diferente.
Ontem, o presidente em exercício anunciou que vai a Cuba se encontrar com os presidentes da Argentina e do Peru. A Venezuela passa pela inusitada situação de ter o centro do seu poder mais em Havana do que em Caracas.
O motivo que explica a paixão de uma parte do povo venezuelano por Chávez, e a sua longa permanência no poder, não está na economia. O país cresceu moderadamente, e a inflação acumulada nos 14 anos superou 1.500%. O chavismo nasceu dos erros dos partidos tradicionais e das políticas que Chávez adotou para os mais pobres.
Seus pontos fortes foram as políticas de transferência de renda e a melhoria de condições de vida nos barrios, as favelas venezuelanas. A desigualdade caiu a um dos níveis mais baixos da região. Segundo a ONU, o índice de Gini do país é de 0,41 e a taxa urbana de pobreza caiu de 49% para 29%.
Mas tudo em Chávez é contraditório. Ao mesmo tempo em que essa melhoria social acontecia, o país viveu um espantoso surto de violência urbana.
Em 1998, antes de Chávez assumir o poder, a taxa era de 20 homicídios por 100 mil, por ano. Em 2012, foram 73 por 100 mil. Em números absolutos, saiu de menos de 5.000 para 21.600 assassinatos por ano.
A Venezuela era governada antes por uma oligarquia. Os erros dos partidos tradicionais, Copei e AD, corroeram a confiança da maioria do povo venezuelano na política.
Depois da tentativa de golpe de 1992, o coronel Chávez entrou na política e se elegeu em 1998. A partir de então, mudou sucessivamente as regras eleitorais para ficar no poder.
Carismático e personalista, Hugo Chávez não permitiu espaço para sucessor claro. Só com o avanço do câncer contra o qual luta informou ser Nicolás Maduro o herdeiro escolhido.
O chavismo está dividido em facções. Os militares que ele promoveu ao comando das Forças Armadas tutelam o governo. Mas a plúmbea palavra incertidumbre soa mais eloquente para definir o que vive agora a Venezuela.
Chávez decretou intervenções e estatizações de empresas do país ou estrangeiras, fechou empresas de comunicação, incentivou a formação de milícias, gastou fortunas equipando as Forças Armadas.
Para controlar o Judiciário, ele aumentou o número de ministros dos tribunais superiores e nomeou os que lhe seriam leais.
Para controlar o Legislativo, mudou regras eleitorais usando os plebiscitos convocados em momentos de alta popularidade. Os que perdeu, ele não respeitou, como o que derrotou sua proposta de reeleições sucessivas.
As oposições erraram muito nesse período. Tentaram o golpe de Estado em 2002. Depois, não participaram de uma das eleições. Só recentemente começaram a achar o tom com Henrique Capriles.
O grande dilema da Venezuela hoje é até onde vai o surrealismo do governo. Em algum momento o país precisará saber se a situação é temporária ou irreversível.

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