sábado, 8 de setembro de 2012

O Brasil vai mudar?, por Ruy Fabiano


POLÍTICA


Quando, em 1992, o Senado decidiu impor o impeachment a Fernando Collor – o primeiro da história -, o país supôs estar diante de um marco divisor. O Brasil do passado, dos políticos corruptos e impunes, estava definitivamente derrotado.
Seríamos, a partir dali, um país-modelo.
Houve celebrações, gastou-se muita tinta e papel, sociólogos e cientistas políticos foram entrevistados na TV e o público não duvidava: o novo Brasil começara. “Vamos passar o Brasil a limpo”, dizia um conhecido âncora de telejornal.
Eis que, um ano depois, vem à tona novo escândalo, o primeiro da “nova era”: o orçamento da República estava sendo adulterado na comissão mista do Congresso.
Parlamentares, entre os quais ilustres cabeças coroadas, aprovavam emendas destinando dinheiro público a entidades filantrópicas de fachada, ligadas a parentes e laranjas. Com as grandes empreiteiras – as maiores do país -, acertavam comissões, em troca de polpudas verbas para obras faraônicas.
Instalou-se uma CPI, a dos Anões do Orçamento, e foram cassadas lideranças influentes, renovando a crença de que o país havia mudado, que se tratara apenas de um resíduo do passado, punido exemplarmente.
Num país, dizia-se, em que o próprio presidente da República havia sido destituído por corrupção, não havia ninguém mais inimputável. O PT, então o mais vibrante partido de oposição, duvidava disso tudo.
Empenhava-se em mostrar que o impeachment e as cassações de mandatos de parlamentares eram meros acidentes de percurso, que a mentalidade delinquente, fruto de uma sociedade burguesa e de um modelo econômico que concentrava renda, não mudara – e não mudaria com nenhum dos partidos que disputavam o poder.
Mas acenava com a esperança: era possível, sim, um novo mundo – e que, quando o PT chegasse ao poder, iria implantá-lo. Somente aí haveria um Brasil justo, transparente e decente.
Pois bem: os acontecimentos lhe deram razão. A corrupção não cessou. Continuou sua rota de sempre, até que, a certa altura – as eleições de 2002 –, o eleitor decidiu apostar no Brasil novo do PT.
Elegeu Lula presidente da República, na expectativa de estar virando uma página da história. Bastaram, porém, dois meses de governo e veio à tona o primeiro escândalo da nova “nova era”: o sub-chefe da Casa Civil, Waldomiro Diniz, braço direito do ministro José Dirceu, encarregado das articulações parlamentares, fora filmado pedindo propina ao bicheiro Carlos Cachoeira. Foi demitido, mas ninguém questionou o comando a que servia.
Na sequência, dois anos depois, veio à tona o Mensalão, que só agora está sendo julgado. Por absoluta apatia da oposição, que fez muito barulho no início, mas depois silenciou, certa de que Lula perderia sozinho a reeleição, mas o PT manteve-se no poder.
Lula, de início, pediu desculpas ao país; depois disse que era tudo caixa dois, prática, segundo ele, generalizada (o que, claro, não a legitima); por fim, negou sua existência, dizendo que não passava de uma tentativa de golpe contra seu governo. E fez sua sucessora.
No governo Dilma, nada menos que sete ministros – todos indicados por Lula - foram demitidos na esteira de escândalos de corrupção. E eis que este ano, sete anos após as denúncias, o Mensalão começou a ser julgado.
O ceticismo popular era inevitável. Dizia-se que o Supremo Tribunal Federal, na melhor das hipóteses, absolveria os grandes e condenaria os pequenos.
Não está sendo assim. O Tribunal está condenando os grandes, indiferente à retórica dos medalhões da advocacia. Instalou-se então um ambiente oposto, de euforia: o país está mudando, jamais o Brasil voltará a ser o mesmo; já não é necessário ato de ofício para condenar corruptos (que nunca deixam ato de ofício), a jurisprudência mudou etc.
Mais uma vez, o país está diante da oportunidade de um marco divisor. Mudará? Se depender da oposição, não.
Não se ouve uma palavra das lideranças oposicionistas, que nem sequer se deram ao trabalho de frequentar as sessões do STF. O PT quis proibir menção ao mensalão, chegando a ingressar no Tribunal Superior Eleitoral com esse pedido, obviamente rejeitado. Não precisava se preocupar.
Com uma oposição gentil como a que aí está, não há razão para temor. Lula deve estar pensando que se preocupou à toa, ao pressionar ministros do STF e ao proclamar que o mensalão jamais existiu.
O PT, que dizia deter o monopólio da moralidade, protagonizou a maior imoralidade da história republicana. Mas a oposição não parece ver nisso nenhum problema. Em algum momento, quando estiver se extinguindo, há de se identificar com o famoso verso de Rimbaud: “Por delicadeza, perdi minha vida”.

Ruy Fabiano é jornalista

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