O que vem se discutindo esterilmente desde a promulgação da CRFB/88, ganha um viés político contrário ao interesse público e deveras perigoso, capaz de promover um retrocesso indesejado em nossa impúbere democracia e na efetividade de nossa prestação jurisdicional, que se hoje ainda capenga, amanhã pode ter uma de suas pernas amputadas.
Com o julgamento do mensalão, as funções executiva e legislativa, por seus membros, parecem ter optado pelo conluio (não entendo esta adjetivação como excessiva) como forma de se autoprotegerem por suas mazelas aproveitando-se de uma discussão que perdia força e sentido com o passar do tempo para se integrarem a única instituição que possui legitimidade para causa, a Polícia, que luta desde os idos de 88 por uma maior autonomia de poder.
Propõe-se tratar neste artigo dos poderes de investigação criminal do MP, constitucionalmente amparado pelo preceituado no art. 129 pelas razões da lógica e corroborado principiologicamente pelo direito de maneira inelutável.
Para início de conversa, antes de adentrarmos as razões de direito, importante delimitar as razões políticas que circundam a questão. Não tratarei, em respeito ao discernimento mínimo que se espera do “homem médio” das obviedades ululantes que a temática encerra. Por isso não discorrerei muito além da afirmação de que o mensalão construiu um espírito de revanchismo latente, que de um lado, com sede de vingança, encontram-se as funções executiva e legislativa de poder, a primeira atingida diretamente e a segunda potencial “vítima” do Estado Democrático de Direito, capitaneado pelo MP e pela função judiciária de poder.
É certo, que o poder é uno e indivisível, e que as funções sim, se tripartem. Desta forma, em um verdadeiro cabo de guerra entre as funções de Estado, o poder uno se enfraquece e o Estado Democrático de Direito se debilita. A sadia e aconselhável política dos “checks in balances”, onde uma função fiscaliza a outra pelo fortalecimento de um poder único e democrático, aqui incluo o MP como instituição permanente e essencial a função jurisdicional do Estado, pode vir a sofre um golpe sem precedente na busca pela moralidade das políticas públicas, dos agentes públicos e precipuamente dos agentes políticos de Estado.
Encontra-se já no Congresso Nacional PEC 37, e no Supremo tribunal Federal a ADI 4271 proposta pela ADEPOL do Brasil, que tem por intuito calar o MP em sua precípua função constitucional. Aqui venho asseverar desde já a “teoria dos princípios implícitos”, da qual o seu desrespeito é capaz de alijar o MP em sua essencial função constitucional de oferecer a ação penal (denúncia). Por esta teoria, que respeita o sentido lógico de qualquer exegese aferível, construída nos Estados Unidos da América e praticada em todos os Estados que possuem a democracia como valor a ser respeitado e observado, quando se confere competência a determinado órgão de Estado, em deferimento implícito a este mesmo órgão se confere poderes para o uso dos meios necessários para que se cumpra integralmente o fim atribuído, em respeito a razão geral e ao senso universal. A concessão dos fins importa naturalmente a concessão dos meios.
Se cumpre ao MP como sua missão precípua promover privativamente a ação penal pública, nos termos do inciso l, do art. 129 da CRFB, não seria minimamente razoável que a Constituição concedesse o direito com um mão e impedisse sua perfeita fruição com a outra.
Neste instante, vale lembrar, que a polícia Judiciária, a maior interessada até o julgamento do mensalão em suprimir os poderes investigatórios do MP para apenas com ela se concentrar referida atribuição, é uma instituição que não goza da autonomia funcional do MP, pelo contrário, está diretamente subordinada a função executiva de poder. Resta mais que clarividente, que por isso, a Polícia Federal é uma instituição pressionada pela função executiva e desta forma não se pode asseverar que haja com a liberdade funcional que possui o MP para denunciar, a título de exemplo, um administrador do executivo federal que se distancie dos padrões de legalidade estrita a que estão impelidos os administradores.
Nesta seara, se afirma que não pode o MP ficar adstrito às investigações processadas pela Polícia Federal, aguardando de mãos atadas a produção da justa causa de uma instituição que não possui independência funcional, para que aí sim possa oferecer a ação penal pública, sendo certo, que em se não alcançando a justa causa ou a ação penal não será oferecida ou será e não será recebida. E a impunidade? Esta encontrará sua zona de conforto nos crimes de poder.
O inciso VI do artigo constitucional em comento refere-se expressamente à expedição de notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações documentos para instruí-los. Evidente que o procedimento administrativo referido é o investigatório. É o momento que o promotor formará sua “opinio delicti”, para se for o caso oferecer a denúncia, para respaldar sua ação penal. Evidente que este procedimento administrativo referido no inciso VI não é o inquérito civil preparatório para ação pública, pois do inquérito civil já tratou o inciso III. O inciso VI encontra-se inequivocamente atinente ao âmbito criminal enquanto o inciso III circunscreve-se ao cível.
O inciso IX vem para corroborar ainda mais a posição aqui sustentada, sendo a única, vale dizer, sustentável em um Estado Democrático de Direito. Pelo inciso IX permite-se a o exercício de funções outras que forem atribuídas ao MP e que sejam compatíveis com suas finalidades, A L. 8625/93 confere ao MP a possibilidade de instaurar procedimentos administrativos investigatórios em seu artigo 26.
Paulo Rangel afirma com máxima razão que “A investigação criminal direta pelo MP é uma garantia constitucional da sociedade que tem o direito subjetivo público de exigir do Estado as medidas necessárias para reprimir e combater as condutas lesivas a ordem jurídica”.
Outros exemplos de permissivos ordinários para que o MP investigue encontram-se no ECA em seus artigo 179; no Estatuto do Idoso art. 74, Entre outros.
Certo foi ainda, que o Constituinte não admitiu dar a um só órgão a função de investigar. O próprio art. 58, par, 3º, confere a CPI o poder de investigação própria.
Lamentavelmente nossa polícia ainda carrega as chagas provenientes do regime militar, atuando muitas vezes por razões bárbaras e aviltantes dos Direitos Humanos, em muitas ocasiões sustentando estes razões hipócritas, à bem da verdade. Os excessos por parte da polícia, no entanto, no entanto, são incontestes, o que faz corroborar a necessidade não apenas de um rígido controle externo, fardo que carrega o MP (art. 129, VII, CRFB), mas de sua atuação nos deslindes de fatos que trarão os subsídios necessários para o oferecimento da ação penal pública da qual é exclusivamente competente. O despreparo de nossa polícia é tão notório, que a ONU chegou a solicitar a extinção de nossa polícia Militar, alvo de reiteradas críticas das comunidades internacionais.
A sociedade clama não por uma Emenda que venha a retirar a imparcialidade do MP para investigar os fatos que lhe trarão os subsídios para a proposição de sua ação penal, conferindo exclusividade da persecução penal a influenciável Polícia Judiciária; a sociedade não espera uma Emenda que amplie a capacidade de traficar influências hierárquicas para se alcançar investigações ineptas com vistas a se a alcançar impunidades. A sociedade espera sim, um Estado que confira independência funcional a uma instituição e que conceda meios para que esta instituição cumpra sua função essencial com máxima eficiência, por isso o MP não pode ser alijado das funções de investigação criminal em respeito à “teoria dos poderes implícitos” e a lógica de todo um sistema que deve funcionar democraticamente e sem indesejáveis interferências de poder.
A operação “Monte Carlo” revela-se um dos muitos tristes exemplos de que a polícia não pode ter a exclusividade da persecução criminal, que deve ter esta atribuição concorrente com instituição que goze de independência funcional, como o MP. Após concluída a operação, um sem número de procedimentos administrativos investigatórios restaram abertos pelo MP de Goiás em desfavor de autoridades públicas daquele estado, entre elas o Secretário de segurança e delegados de Polícia, que não contam com as prerrogativas funcionais dos Membros do MP e acabam por se tornarem marionetes facilmente manipuláveis quando o objetivo é o alcance da impunidade.
A democracia não pode se calar, para isso à sociedade deve ser dado o poder da palavra. Como o poder emana do povo, que o exerce por representação escolhida através de escrutínio, cabe à sociedade se manifestar quando seus representantes não atuam na defesa do interesse público para o qual foram eleitos. Legislar contra os interesses da sociedade é cumprir uma “não função” pública, é defender interesses privatistas que passam indelevelmente a carecer de legitimidade.
As sociedades que mais respeitam a democracia são justamente as que conferem ao MP independência funcional e um largo campo de atuação dentro de suas competências. A tentativa de calar o MP é um golpe na democracia e uma vitaminada na impunidade, portanto um retrocesso de uma conquista que não pode ser defenestrada, sob pena de se ferir o princípio da proibição do retrocesso social, já que a democracia é inelutavelmente um direito fundamental de todos em um Estado Democrático de direito nos termos de nossa Carta maior.