quarta-feira, 25 de julho de 2012

Ivan Ribeiro, o poeta


by Ricardo Queiroz Pinheiro


Trabalhar em bibliotecas tem suas vantagens e desvantagens, como em todo trabalho. Estar no meio de livros de das várias possibilidades de informações pode ser visto como grande privilégio. Mas tendo a cachaça, também há que se ter os tombos. Falta de recursos, de uma política definida, abandono, problemas estruturais, busca de uma identidade, estas são algumas das dificuldades enfrentadas numa biblioteca pública.
Mas ainda existem as pessoas...
Hoje fui a trabalho num espaço que existe há 11 anos, criado e gerido pela Divisão de Biblioteca de SBC. O Troca Livro, que fica no centro da cidade. Trata-se de uma espécie de sebo público, explico melhor: neste espaço você pode trocar seu livro, cd, LP, revista usados por algum do acervo que lhe agradar. Como não há fim lucrativo, esta troca funciona no um por um e obedece a certos critérios de relevância e estado físico do material trocado. É um serviço que tem excelente resposta do público Política pública.
O Troca Livro foi só mote.
No meio da tarde ouvi uma fala animada, um tanto ansiosa, de um rapaz que é frequentador do espaço. Aos poucos fui sabendo quem era. Ivan Ribeiro, 30 anos, que veio da Bahia muito pequeninho (segundo ele) para São Bernardo do Campo. Ivan contava de uma forma engraçada de como tinha sido atropelado recentemente.
Ouvi aquilo, saí da sala contígua e fui conversar com ele. Ivan se confessou um poeta distraído que anda pela cidade. O atropelamento foi numa dessas distrações e entrou na cota de sua poesia.  Embalamos um papo no começo meio torto, naquela desconfiança mútua.
O rapaz conta que entrou e saiu de várias instituições de tratamento psiquiátricas durante a vida. Conta pela metade, não importa, não quero detalhes, tampouco ele quer dizer. Sua mãe tem problemas de saúde e os dois moram juntos, de algum jeito um cuida do outro. Vida dura.
Ele diz certeiro que não quer cozinhar as palavras no passado. Olhar pra frente. Ivan tem muito que fazer na vida e tem talento, bastante.
Falei do blog, do meu blog, citei o nome Klaxonsbc, brilho diferente no olhar do poeta Ivan detectou Oswald. E diz ter um poema que dialoga com inspirador do nome do meu blog. Ivan tem o seu próprio blog onde se expressa, onde conserva seus poemas:  Na Toca do Noturno.

Em digressão voltamos, ele fala da luta social, o movimento antimanicomial no qual milita da resistência, começo a enxergar a integridade do poeta. Não pelo engajamento em si, mas pelo projeto, vida.
Nada desse papo da arte que salvou, da cultura que salvou. A força da experiência e as agruras sim deram a poesia, o seu relato, a sua força. A poesia se apropriou da historia de vida do Ivan.
E a nossa fala entrecortada, dois ansiosos, voltou ao Oswald, ao blog, comento um texto que escrevi sobre a Cracolândia. De novo a afinidade, Ivan diz que dialogou com Oswald, especificamente com o poema "Pronominais", trocando o tema original do cigarro pelo tema contemporâneo, o crack.
O erro de português formal com seu novo relevo.
E o papo virou de velhos camaradas, e reforça o que eu disse no começo do texto: mais do que estar entre livros e informações, o que importa em trabalhar numa biblioteca pública é encontrar as pessoas e com elas trocar as idéias que afinam ou desafinam as nossas convicções, pessoas que fazem valer a pena lutar pela manutenção dos espaços públicos de convivência.
Poetas, calados, sonoros, discretos, prolixos, incômodos, incógnitos, gente que vem e que vai. Muitos dos quais frequentam anos a fio as bibliotecas e mal sabemos o nome, outros que encontramos nestas tardes perdidas e ficamos sabendo tanto deles. Estas surpresas que só podem nascer das pessoas.
Pronominais
Oswald de Andrade
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro ''
e a versão do camarada Ivan:
Prô! No Minais?
Dê-me um careta
Diz à grama... Tica,
De professora foi
Há tempos, hoje é
Aluna da vida...
Um careta! Só um
Careta dar-lhe-ia à
 Dona Tica, uma
Grama... Ah, Tica!
 
 
Pois a boa preta a
Boa branca; damas
Da Nação mal parida,
 Choram do dia à noite
 Sem preocuparem-se  
Como é ser dama, pois
Preocupam-se é com
A grama,...Tica, diz aos
Seus alunos;...
Pô, meu! Pára com isso
Me dá um careta, aí!?
 
 
_Fêssora,... Cê tá é
Brisando!... Cê tem
Bic aí pro careta?
 
 
Deixa disso aluno,
Me manda logo o Bic;
É que eu quebrei a
Pedra! Tem outra, aí?
Se, tem! Sua nota é dez!
 
 
               Ivan Ribeiro
“Com licença poética, ó meu caro
Oswald de Andrade!”



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