Em dia: a disparada dos valores nos grandes leilões de arte
Um leilão realizado na noite de quarta-feira em Nova York quebrou um recorde histórico: uma obra de arte foi arrematada por 120 milhões de dólares, o maior valor já registrado numa disputa desse tipo. A tela, uma das quatro versões de O Grito, de Munch, entra na lista das obras de arte mais caras da história. O assunto foi tema de uma reportagem de capa de VEJA em 8 de abril de 1987. Na ocasião, o valor que assombrava o mundo era muito menor: 36 milhões de dólares por um Van Gogh. Hoje, 25 anos depois, essa tela não está nem entre as vinte mais caras do mundo.
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O que dizia a reportagem de VEJA
Noventa e sete anos após seu dramático suicídio com um tiro no peito, Vincent Van Gogh arrebentou todas as barreiras financeiras do mercado de arte imagináveis até hoje. Um de seus sete quadros intitulados Girassóis – mais precisamente uma tela de 100 centímetros por 76 centímetros pintada em janeiro de 1889 – foi arrematado pela estratosférica cifra de 36 milhões de dólares. Mesmo para um mercado de arte galopante, que ao longo dos últimos doze meses ultrapassou três vezes a mítica barreira dos 10 milhões de dólares, o arremate da semana passada pareceu assombroso. Paira sobre os Girassóisuma pergunta: afinal de contas, o que há neles que valha 36 milhões de dólares? Resposta: nada. No entanto, se 36 milhões de dólares forem pendurados numa parede, só poderão atrair curiosidade, enquanto uma obra de arte, de qualquer valor, permite ao espírito humano aqueles momentos de visita ao interior de suas sensações e deixa estranhas marcas em sua memória. A perseguição que o dinheiro faz à arte continuará, mas sempre terminará por mostrar aquilo que as pessoas que acreditam nele acima de tudo menos gostam de ver: a sua incapacidade de servir como medida universal. Afinal de contas, é até possível que o dinheiro possa comprar tudo. O que ele não consegue é medir tudo.
O que aconteceu depois
O recorde batido pelos Girassóis de Van Gogh foi apenas o primeiro numa longa série de negócios com valores espantosos no mercado internacional de arte. No mesmo ano em que a reportagem de VEJA foi publicada, uma outra tela do mestre holandês, Os Íris, foi arrematada num leilão da Sotheby’s, em Nova York, por 53,9 milhões de dólares. Em 1990, um magnata japonês, Ryoei Saito, tornou-se o proprietário das duas telas mais caras do mundo na época – ele pagou 78,1 milhões de dólares por um Renoir na Sotheby’s e outros 82,5 milhões pelo Retrato do Doutor Gachet, de Van Gogh, na casa Christie’s. Nos anos seguintes, a valorização continuou e novos recordes foram quebrados – a disputa tornava-se cada vez mais acirrada. O mercado se expandiu de vez na virada do século, com a atuação cada vez mais forte de compradores da Ásia, da Rússia e do Oriente Médio, que se juntaram aos colecionadores tradicionais na briga pelas obras mais valiosas. Para esses novos milionários, as telas dos grandes mestres tornaram-se importantes símbolos de status, objetos que representam seu crescente poder financeiro. Se antes os leilões eram disputados por colecionadores de três ou quatro países, agora são representantes de vinte ou trinta nações, e não apenas de continentes desenvolvidos. Com o aumento da procura por obras de arte famosas e a enorme valorização desse tipo de peça, mais e mais colecionadores colocaram trabalhos importantes à venda. Resultado: um mercado ainda mais quente. E nem a crise financeira internacional iniciada nos anos 2000 freou essa valorização – afinal, para os maiores bilionários do mundo, obras de arte famosas são um investimento seguro e cobiçado, pois, além do valor material que não varia de acordo com as marés das bolsas, há o status de possuir uma imagem conhecida no mundo todo.
Esse processo culminou em três quebras de recorde consecutivas em 2006. Foram três vendas privadas, fora de leilão: um Gustav Klimt de 135 milhões de dólares, um Willem de Kooning de 137,5 milhões e, finalmente, um Jackson Pollock de 140 milhões de dólares. A tela do pintor americano, de 1948, tornou-se a mais cara da história à época – seu preço foi equivalente ao dobro do valor atualizado dos Girassóis de Van Gogh. Vinte anos depois do leilão histórico que foi assunto de capa em VEJA, os leilões com altos valores já eram muito mais comuns: em maio de 2007, em uma só semana, duas telas foram arrematadas por valores similares ao preço atualizado dos Girassóis: 71,7 milhões de dólares pela obra Green Car Crash (Green Burning Car I), de Andy Warhol, e 72,8 milhões de dólares por White Center (Yellow, Pink and Lavender on Rose), de Mark Rothko, ambas de propriedade do magnata David Rockefeller e leiloadas pelas casas Sotheby’s e Christie’s em Nova York. A tela de Rothko custou três vezes mais que o recorde anterior para um trabalho desse artista. A de Warhol custou quatro vezes mais que a antiga recordista do ícone da pop art (um retrato de Mao vendido por 17,4 milhões de dólares em 2006). Em valores atualizados até 2007, os Girassóis de Van Gogh eram apenas a 26ª tela mais cara do mundo. Entre as 20 primeiras da lista, cinco eram Van Goghs e outras cinco eram Picassos. O quadro mais caro de toda a história é The Card Players ,de Paul Cézanne, vendida por 250 milhões de dólares em 2011 à família real do Catar. A transação, porém, foi privada, e não em leilão. Em disputa aberta entre compradores, o recorde foi batido na noite de 2 de maio de 2012, quando uma das quatro versões de O Grito, de Edvard Munch, bateu nos 120 milhões de dólares na Sotheby’s, em Nova York.
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