quinta-feira, 12 de julho de 2012

Morte política, por Merval Pereira



MERVAL PEREIRA12.7.2012 10h52m
O ex-senador Demóstenes Torres já chegou nessa condição à tribuna do Senado quando fez sua defesa final antes da votação. O erro do site do Senado, que antecipou em algumas horas a cassação do senador, é um dos mais comuns em jornalismo, mas desta vez traduzia uma certeza interna.
Prepara-se uma matéria com o resultado mais provável e aguarda-se o momento certo para divulgá-la, bastando para isso apertar um botão. É a competição da notícia em tempo real que faz com que erros como esse aconteçam com certa frequência depois da chegada da internet.
O que impressionou na sessão de ontem do Senado foi o clima de expiação que a cercou, o que levou um político não identificado a defini-la como “o velório de quem já estava morto politicamente”.
E não era apenas Demóstenes Torres o morto político, mas o próprio Senado Federal, mesmo tendo tomado a decisão que coincidiu com o anseio da opinião pública, como vários senadores ressaltaram, na tentativa imediata de recuperação de imagem.
A fala rude do senador Mario Couto pode não ter sido a mais bonita, nem a mais apropriada para um momento de constrangimento generalizado, mas tocou na ferida, refletindo o sentimento no Senado. “Não há moralidade nesta Casa”, apontou o senador que, aliás, já confessara, no decorrer do processo, que trabalhou para um bicheiro antes de entrar na política.
Cassar o senador Demóstenes Torres foi apenas o cumprimento de uma obrigação dolorosa para alguns, mas também a oportunidade de muitos se vingarem do “falso moralista”, que ontem, pateticamente, pediu perdão pelo “dedo em riste” de ontem.
Mas não devolverá ao Congresso a respeitabilidade perdida em muitas manobras corporativas, em inúmeras maracutaias e, sobretudo, na impossibilidade de se impor como parte fundamental do xadrez político. Quando o faz, quase nunca está defendendo conceitos, programas, teses, mas interesses classistas ou medidas populistas, que podem ser trocados por favores palacianos.
Houve indiscutível progresso com a sessão de ontem sendo transmitida ao vivo pela TV Senado, e aberta ao público nas galerias, ao contrário do que aconteceu em 2007, quando o senador Renan Calheiros foi absolvido em uma votação apertada: 40 a 35, com seis abstenções.
Naquela ocasião, numa decisão arbitrária, a presidência do Senado usou o fato de a votação ser secreta para fechar a sessão aos olhos da opinião pública.
O senador Demóstenes Torres, em plena vigência de sua “persona” de defensor da moral e da ética na política, abriu seu voto a favor da cassação de Calheiros, que ontem acompanhou seu discurso de tentativa de defesa em pé no plenário.
Desta vez, não apenas a sessão foi completamente aberta como se realizou sob a égide do fim do voto secreto, que está sendo decidido no Congresso.
Há, aparentemente, o entendimento no Senado de que os limites da imoralidade estão sendo atingidos, o que faz com que o Congresso como um todo seja mal visto pela opinião pública.
Vários foram os senadores que defenderam o voto aberto para as cassações de mandatos, e outros usaram as redes sociais, como o twitter para abrir seus votos.
A defesa do senador Demóstenes Torres variou de tom, entre o técnico e o emocional, em alguns momentos ainda beirando a arrogância, sem encontrar o ponto certo desde o primeiro instante em que foi flagrado em conversas comprometedoras com o bicheiro Carlinhos Cachoeira.
Quando subiu à tribuna para explicar os presentes que recebera do bicheiro pelo seu casamento - um fogão e uma geladeira – o senador Demóstenes garantiu a seus pares que não havia mais nada ligando ele a Cachoeira.
Os presentes, diante do que se ouviu, parecem hoje brincadeira de criança, assim como o rádio Nextel. Mas enquanto os presentes poderiam refletir uma relação de amizade questionável, mas não necessariamente criminosa, o rádio registrado em Miami é a prova de que sua relação com o bicheiro era mais do que uma simples amizade descompromissada.
O que se comprovou com a gravação do dia 22 de abril de 2009, quando Demóstenes e Cachoeira conversam sobre a tramitação de um projeto que criminaliza o jogo ilegal, mas que, segundo o contraventor, daria margem também à legalização das loterias estaduais.
Em 2002, o então senador Maguito Vilela apresentara o projeto de lei, que foi aprovado por voto de liderança no Senado e àquela altura estava tramitando na Câmara.
Cachoeira pede que Demóstenes se empenhe junto ao então presidente da Câmara, Michel Temer, para colocar em votação o projeto, que classifica de “interessantíssimo”.
Uma semana depois, a 29 de abril, os dois voltam a conversar sobre o mesmo tema, e Demóstenes pergunta: “Que importância tem a aprovação disso?”. Cachoeira responde – “É bom demais, mas aí também regulamenta as estaduais”.
O senador explica ao contraventor que o projeto de lei não regulamenta nada, que essa será uma segunda etapa, depois do projeto ser aprovado. E adverte Cachoeira de um problema: “O que tá aprovado lá é o seguinte: transforma em crime qualquer jogo que não tenha autorização. Então inclusive te pega né?”.
Nesse simples diálogo, estão provadas duas das mais graves acusações contra o agora ex-senador Demóstenes Torres: o de que ele colocou seu mandato a serviço do bicheiro, e que ele sabia, sim, que Carlinhos Cachoeira continuava na contravenção.
A cassação de Demóstenes Torres, além de ser a decisão justa diante da opinião pública, representa apenas um primeiro e tímido passo do Congresso na busca da credibilidade perdida

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