quinta-feira, 12 de julho de 2012

Bem mais iguais, por Carlos Brickmann



O desembargador Hélio Maurício de Amorim, do Tribunal de Justiça de Goiás, foi punido por unanimidade pelo Conselho Nacional de Justiça por assediar uma senhora cujo processo estava julgando. E qual a pena? O meritíssimo foi punido com aposentadoria compulsória: fica sem trabalhar, recebendo vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Nada de fator previdenciário, essas coisas aplicáveis a cidadãos comuns: todos os cálculos são feitos sobre o salário integral da ativa.
Há certas coisas a que é difícil dar divulgação: por exemplo, o tratamento especial que magistrados recebem quando punidos por suas falhas. No caso, experimente um civil comum assediar uma empregada de seu escritório, ou uma colega de trabalho, para ver se a pena será aposentadoria integral.
Ou mate alguém, como ocorreu com um juiz paulista, condenado por assassinar a esposa e ocultar o cadáver: por muito tempo ainda recebeu o salário integral. Mas os repórteres não podem esquecer quem é que os julga, caso sejam processados: vale a pena criticar alguém cujos colegas determinarão indenizações ou penas de prisão?
Promotores também costumam ser bem tratados pelos colegas. Um deles, considerado culpado por ter pedido licença para um pós-doutoramento na Europa e não ter aparecido em nenhuma aula, foi condenado a um dia de suspensão – exatamente, um dia de suspensão, 24 horas, não mais. Posteriormente, foi absolvido. Mas, no momento em que o consideraram culpado, a pena foi aquela.
Tente um funcionário público comum pedir licença para estudos e ser desmascarado por tirar folga com dinheiro público, para ver se a pena será de 24 horas de suspensão.
É também pouco provável que um cidadão comum, bêbado, em excesso de velocidade, guiando na contramão, batendo em outro carro e matando uma família, tenha tido a pena que foi aplicada a um promotor por seus pares: uma transferência para São Paulo, numa vaga ardorosamente disputada por profissionais de qualidade reconhecida e entregue a ele, cuja carreira atingiu o ponto mais alto depois de sabe-se lá quantas latas de cerveja e garrafas de bom uísque.
Mas promotores, como os magistrados, não são bem tratados apenas por seus pares. A imprensa cuida de todos com grande carinho – o que inclui, seja lá qual for sua idade, seja lá qual for seu temperamento, os adjetivos “jovem e combativo”. Um delegado, de conduta bastante discutível, era chamado de “ínclito”. Mas como combater uma fonte tão preciosa de informações?
É um tema que vale debate nos meios de comunicação. Afinal, como diz a Constituição, somos todos iguais perante a lei? Ou, como diz brilhantemente George Orwell, todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros?

Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados Comunicação

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