sábado, 7 de julho de 2012

Aquele outubro - Miriam Leitão


Enviado por Míriam Leitão e Valéria Maniero - 
7.7.2012
 | 
9h00m
COLUNA NO GLOBO


Nos dias que antecederam a prisão de Vladimir Herzog, houve uma série de outras prisões de jornalistas. Era uma ofensiva de intimidação. Herzog foi o décimo segundo a ser preso. Quem conta é Audálio Dantas que, à época, era presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Por que em pleno governo Dilma o Brasil informa a uma corte internacional que não pode investigar os responsáveis pelo crime?
O procurador regional da República em São Paulo Marlon Weichert diz que há um conflito entre o que entende o Supremo Tribunal Federal e os tribunais internacionais.
— A Corte Interamericana de Direitos Humanos acha que não se pode aplicar leis, como a de anistia, nos crimes de execução sumária, prisões ilegais, sequestros, crimes sexuais, nessas graves violações de direitos humanos. O Brasil é integrante dessa Corte, por um ato soberano e, por isso, tem a obrigação de conciliar as duas interpretações — diz o procurador.
O caso Herzog é emblemático por tudo o que se sabe dele, mas também por ser um exemplo de como o Estado brasileiro, governo após governo, deixa-se aprisionar nas mesmas armadilhas da paralisia. O Brasil está no sexto presidente civil, Herzog foi assassinado há 37 anos e ainda hoje está escrito em sua certidão de óbito “suicídio”, a versão dos assassinos.
— O que a família exige do governo, ao menos, é que dê outro atestado de óbito. Isso o governo brasileiro tem o dever de fazer — afirma Audálio.
Entrevistei Audálio e Weichert na Globonews num programa sobre o caso Herzog e a Justiça de Transição, nome dado às soluções jurídicas para os dilemas pós-período autoritário.
O governo de Dilma informou à Corte Interamericana que não poderia investigar o caso Herzog, por causa da Lei de Anistia. O procurador acha que há aí um erro jurídico.
— Eu, como cidadão e como jurista, fico impressionado que se dê uma resposta dessas. O Direito Internacional desde Nuremberg, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, entende que crimes dessa natureza não podem ser perdoados por leis internas. Qualquer que seja seu nome, é lei de impunidade. Se o Brasil não investigar e punir esses crimes, vai continuar recebendo condenações internacionais e vai permitir que esses crimes sejam julgados pela justiça de outros países, o que seria, convenhamos,uma vergonha — disse Weichert.
Aquele outubro de 1975 começou — conta Audálio — com uma série de prisões e sequestros de jornalistas iniciada no dia 5, no Rio, com o jornalista Sérgio Gomes da Silva.
— Vlado foi o décimo segundo da escalada. Uma parte da repressão estava convencida de que a imprensa estava dominada por comunistas. Os policiais chegaram no dia 24, à noite, na TV Cultura e houve uma negociação dos colegas e da direção com os policiais para que o deixasse pôr o jornal no ar. No dia seguinte, sábado, 25 de outubro, Vlado se apresentou, como combinado, às 8h da manhã, para prestar esclarecimentos. Às 5h da tarde, estava morto sob tortura — lembra Audálio.
Audálio escreveu um livro que será lançado em outubro pela Civilização Brasileira chamado “A segunda guerra de Vlado Herzog”, com o relato desses dramáticos momentos.
— Há testemunhas auditivas das torturas sofridas por Herzog, os jornalistas Rodolfo Konder e Duque Estrada. Eles foram chamados para acareação com Vlado — conta Audálio.
Diante do comunicado do II Exército sobre a morte de Herzog, o Sindicato dos Jornalistas soltou uma nota responsabilizando o Estado pela vida dos que estão sob a sua guarda e convocando todos para o funeral no dia seguinte. Isso impediu que ele fosse enterrado às pressas, como era comum naquele tempo.
— A reação da sociedade foi uma espécie de grito inicial. Ele foi o primeiro preso assassinado dentro de uma prisão e a não ser sepultado em silêncio. No dia 31, foi feito na Sé o ato ecumênico para o qual compareceram 8 mil pessoas. Não couberam na catedral. Isso apesar de o coronel Erasmo Dias, secretário de Segurança na época, ter montado 383 barreiras policiais em todas as grandes vias de acesso para impedir a passagem de pessoas. Foi o ato mais importante desde a decretação do AI-5. Ali, a ditadura começou a cair — relatou Audálio.
Tudo é tão mal resolvido nesta questão no Brasil, que Audálio encontrou resistências, no ano passado, na procura de dados para escrever o livro.
— Eu busquei no Arquivo Nacional os documentos do SNI sobre o Herzog. A diretora do arquivo me pediu por escrito o atestado de óbito de Vladimir Herzog. Eu perguntei: qual? Aquele baseado no laudo do legista Harry Shibata, da ditadura? Tive que ir ao ministro José Eduardo Cardoso para ter acesso aos dados e constatei que houve um apagão sobre Vlado. Há apenas relatos posteriores sintetizados. Quem retirou esses documentos? — pergunta.
A luta contra a ditadura era a segunda guerra enfrentada por Herzog. A primeira, enfrentou na infância: contra o nazismo, por ser judeu. Sua família fugiu da Iugoslávia quando ele tinha 4 anos.
— Enquanto não há investigação, as famílias ficam sem o direito de saber as circunstâncias em que seus entes queridos morreram. Conhecer a história é um direito básico das vítimas e da sociedade — disse o procurador.

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