CARLOS VIEIRA
O ser humano vem ao mundo numa alternância de dor e prazer. A dor do parto, ainda que profunda e angustiante, anuncia a satisfação da existência da vida pós-uterina. Os gritos sucedâneos de uma mãe, as contrações uterinas e o choro aflito de um bebê se misturam com o sorriso e a alegria de um nascimento.
Com o nascimento vêm os impulsos, as necessidades e os desejos. Os primeiros movimentos instintuais e desejosos são em busca de sobrevivência, segurança física e psíquica. O ato de mamar revela a necessidade de aplacar a fome e ser acolhido afetivamente pela mãe. Essa experiência marca a equação ideal: o outro é aquele que satisfaz a minha necessidade e o meu desejo. Uso aqui, caro leitor, necessidade como algo corporal, físico, instintual; desejo com expressão do psíquico. Somos, afinal, seres psicossomáticos.
Feito esse preâmbulo, vou me restringir à experiência de interdição do desejo, da sua dor mental, consequências e alternativas criativas.
Vivemos de sonhos, fantasias e expectativas de vivencias satisfatórias. Ninguém, diga-se de passagem, deseja conscientemente sofrer ou ser privado de qualquer desejo. O mito da alma gêmea é a evidência da ânsia pela completude. Ser completo é não ter falta, não ter limitações, ter tudo e conseguir tudo, realizando desse modo um outro mito – o mito do paraíso. Paraíso no sentido de uma vida permanente em estado de prazer. Acontece que a realidade nem sempre atende àquilo que almejamos.
Uma mãe que gratifica é a mesma mãe que frustra – a vida começa assim. Um desejo é satisfeito e outro é interditado, não porque seja contra alguém, mas sim, por uma questão de impossibilidade real da satisfação. Instala-se dessa maneira a experiência de frustração do desejo. E agora, como procede a pessoa que se sente interditada? É claro que sente dor, dor psíquica. Sente na “própria pele” a impotência, a limitação, o vazio, a ausência da sua expectativa, a dor que Freud cunhou como angústia de castração, angústia da falta. No instante da “interdição do desejo” a mente mostra pelo menos duas alternativas: ou adiar e tentar alterar a realidade, para que a mesma possa atender ao desejo: alternativa criativa; ou enlouquecer de ódio e violência: alternativa destrutiva.
Inferimos aqui duas saídas: uma, como movimento criativo, sublimatório e sadio, ainda que atravessando e suportando a dor psíquica; outro, a recusa, o ódio à frustração, a incapacidade de tolerar e esperar, apontando para mecanismos psicopatológicos tais como: bulimia, anorexia, neuroses graves, psicoses, drogadições, roubo, crime etc.
A expressão poética de Manuel Bandeira, e sua competência em ter convivido com a dor mental, são um exemplo da alternativa criativa, acima mencionada. Deguste, caro leitor, a beleza desse poema, chamado de “Desencanto”:
Com o nascimento vêm os impulsos, as necessidades e os desejos. Os primeiros movimentos instintuais e desejosos são em busca de sobrevivência, segurança física e psíquica. O ato de mamar revela a necessidade de aplacar a fome e ser acolhido afetivamente pela mãe. Essa experiência marca a equação ideal: o outro é aquele que satisfaz a minha necessidade e o meu desejo. Uso aqui, caro leitor, necessidade como algo corporal, físico, instintual; desejo com expressão do psíquico. Somos, afinal, seres psicossomáticos.
Feito esse preâmbulo, vou me restringir à experiência de interdição do desejo, da sua dor mental, consequências e alternativas criativas.
Vivemos de sonhos, fantasias e expectativas de vivencias satisfatórias. Ninguém, diga-se de passagem, deseja conscientemente sofrer ou ser privado de qualquer desejo. O mito da alma gêmea é a evidência da ânsia pela completude. Ser completo é não ter falta, não ter limitações, ter tudo e conseguir tudo, realizando desse modo um outro mito – o mito do paraíso. Paraíso no sentido de uma vida permanente em estado de prazer. Acontece que a realidade nem sempre atende àquilo que almejamos.
Uma mãe que gratifica é a mesma mãe que frustra – a vida começa assim. Um desejo é satisfeito e outro é interditado, não porque seja contra alguém, mas sim, por uma questão de impossibilidade real da satisfação. Instala-se dessa maneira a experiência de frustração do desejo. E agora, como procede a pessoa que se sente interditada? É claro que sente dor, dor psíquica. Sente na “própria pele” a impotência, a limitação, o vazio, a ausência da sua expectativa, a dor que Freud cunhou como angústia de castração, angústia da falta. No instante da “interdição do desejo” a mente mostra pelo menos duas alternativas: ou adiar e tentar alterar a realidade, para que a mesma possa atender ao desejo: alternativa criativa; ou enlouquecer de ódio e violência: alternativa destrutiva.
Inferimos aqui duas saídas: uma, como movimento criativo, sublimatório e sadio, ainda que atravessando e suportando a dor psíquica; outro, a recusa, o ódio à frustração, a incapacidade de tolerar e esperar, apontando para mecanismos psicopatológicos tais como: bulimia, anorexia, neuroses graves, psicoses, drogadições, roubo, crime etc.
A expressão poética de Manuel Bandeira, e sua competência em ter convivido com a dor mental, são um exemplo da alternativa criativa, acima mencionada. Deguste, caro leitor, a beleza desse poema, chamado de “Desencanto”:
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
De desalento... de desencanto...
Fecha meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca
- Eu faço versos como quem morre.
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca
- Eu faço versos como quem morre.
A capacidade de pensar, a inspiração artística, a competência de conviver com momentos de desencantos, como nosso Poeta Maior, adiar o desejo e procurar alternativas possíveis, ainda que pequenas e limitadas, a ciência, a arte, a literatura e a “civilização dos instintos” (Freud), são expressões sadias de uma mente que não sucumbiu à interdição.
O psicanalista Juan-David Nasio, em seu belo livro “O livro da dor e do amor” (Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1977), escreve no começo do seu texto uma frase brilhante e realista: “O amor é uma espera e a dor, a ruptura súbita e imprevisível da espera.”
Passeando por questões relativas à impossibilidade de realizar – o desejo – Nasio aponta para uma saída: “Vê-se bem que a carência não é apenas um vazio que aspira o desejo; ela é também um polo organizador do desejo. Sem carência, quero dizer, sem esse núcleo atraente que é a insatisfação, o impulso circular do desejo se perturbaria e então só haveria dor. Vamos nos expressar de outra maneira. Se a insatisfação é viva, mas suportável, o desejo continua ativo e o sistema psíquico continua estável”.
Ainda vale a pena ter Esperança! Algum leitor pode me achar um “romântico beleza”. Não, sou um romântico com idealismo por um mundo mais justo socialmente que acredita numa Justiça menos “cega”; que nutre a fantasia de realizar sonhos quase impossíveis; que ainda nutre a possibilidade de uma reforma política sem ingerência de corrupções e falta de ética; que visualiza ainda a possibilidade de o homem não destruir tanto a si próprio nem ao seu Planeta Terra. Que a Rio+20 não tenha naufragado na Baía da Guanabara.
O psicanalista Juan-David Nasio, em seu belo livro “O livro da dor e do amor” (Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1977), escreve no começo do seu texto uma frase brilhante e realista: “O amor é uma espera e a dor, a ruptura súbita e imprevisível da espera.”
Passeando por questões relativas à impossibilidade de realizar – o desejo – Nasio aponta para uma saída: “Vê-se bem que a carência não é apenas um vazio que aspira o desejo; ela é também um polo organizador do desejo. Sem carência, quero dizer, sem esse núcleo atraente que é a insatisfação, o impulso circular do desejo se perturbaria e então só haveria dor. Vamos nos expressar de outra maneira. Se a insatisfação é viva, mas suportável, o desejo continua ativo e o sistema psíquico continua estável”.
Ainda vale a pena ter Esperança! Algum leitor pode me achar um “romântico beleza”. Não, sou um romântico com idealismo por um mundo mais justo socialmente que acredita numa Justiça menos “cega”; que nutre a fantasia de realizar sonhos quase impossíveis; que ainda nutre a possibilidade de uma reforma política sem ingerência de corrupções e falta de ética; que visualiza ainda a possibilidade de o homem não destruir tanto a si próprio nem ao seu Planeta Terra. Que a Rio+20 não tenha naufragado na Baía da Guanabara.
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasilia e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.
Nenhum comentário:
Postar um comentário