quarta-feira, 27 de junho de 2012

OBRA-PRIMA DO DIA - PINTURA Hieronimus Bosch - A tentação de Santo Antão (1505/6)


Enviado por Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa - 
27.6.2012
 | 12h00m

Esse artista extraordinário se destaca entre os magníficos pintores da tradição flamenga por seu estilo único, inteiramente livre e por um simbolismo vivo, curiosíssimo, inconfundível e sem paralelo até nossos dias.
Maravilhando e aterrorizando, Bosch expressou um forte pessimismo e as ansiedades de seu tempo, marcado por muitas revoltas políticas e distúrbios sociais.
Sua vida, tão enigmática quanto algumas de suas obras, foi marcada por um fato raro até o século 20: a fama em vida. Sua obra, quase toda marcada por seres fantásticos e eivada de cenas demoníacas, é pequena mas continua recebendo a mesma atenção desde que foi criada. Hieronimus Bosch não sai de moda.
Bosch viveu entre 1453 e 1516; Leonardo da Vinci entre 1452 e 1519 e Michelangelo entre 1475 e 1564. O que isso quer dizer? Que os três gênios estavam em atividade na mesma época? Só isso?
O trabalho de Bosch não tem a mais mínima relação com a obra dos dois italianos e não há nenhuma evidência de que o holandês soubesse da existência dos outros dois.
Não sei o que isso significa, nem sei se tem algum significado. Lembro que quando a Itália só tinha tribos Platão era professor de Aristóteles... Mas não deixa de ser interessante saber que quando o Brasil foi descoberto, lá na Europa três dos maiores gênios das Artes Plásticas criavam obras imorredouras.
O período em que eles viveram foi farto em acontecimentos que levaram a uma mudança de atitude em relação à Igreja. O protestantismo surgia graças a Martin Luther lá pelo fim da vida de Bosch, mas os motivos e fatos que levariam a isso estavam em gestação há algum tempo.

As imagens de hoje são de uma das mais importantes obras do pintor: o tríptico As Tentações de Santo Antão. Nela, através de símbolos, o artista nos relata os tormentos espirituais e mentais que o santo enfrentou. Em nenhuma de suas outras obras Bosch nos mostrou as vicissitudes da vida espiritual mais vividamente do que nesse tríptico.
Quem primeiro falou nas tentações sobrenaturais que Santo Antonio sofreu durante seu retiro no deserto egípcio foi Atanásio de Alexandria e desde então são tema recorrente na literatura e nas artes plásticas (não confundir com Santo Antonio de Lisboa, ou de Pádua – justamente por isso em Lisboa ficou conhecido como Santo Antão).
Bosch se prende ao relato de Atanásio para criar sua obra. Santo Antonio, abrigado nas ruínas de um forte está ameaçado de um lado pelo fogo e do outro pela água. Os demônios tentam de tudo para quebrar sua Fé. Bosch para dar vida às palavras de Atanásio se utilisa de símbolos da alquimia e da magia.
Nos painéis central e esquerdo, o pintor nos apresenta o horror do pecado e dos desatinos, um retrato pavoroso do Inferno e imagens de uma Missa Negra (detalhe à esquerda); no painel direito, o santo firme em sua resistência às tentações do Mundo, da Carne e do Diabo. Numa era quando se acreditava piamente no Céu e no Inferno, e na iminente aparição do Anticristo, a postura serena de santo Antonio, o Eremita, nos olhando de dentro de seu abrigo assombrado, com certeza oferecia esperança e confiança na Fé.
O extraordinário em Bosch é que ele retrata as bizarrices e criaturas estranhas com o mesmo óbvio realismo dos animais e dos seres humanos. Vejam o homem cuja cabeça é um cardo (abaixo, foto maior, detalhe); o peixe que é metade gôndola; a mitra da sacerdotisa recoberta por víboras (detalhe na Missa Negra). Por mais estranhas que nos pareçam essas imagens, elas faziam parte de antigos provérbios flamengos e da terminologia religiosa. 
O que é magnífico é a convicção com que são retratados e o inexplicável poder sobrenatural de que estão revestidas essas imagens de pesadelo.
Quando fechado, o tríptico apresenta o sofrimento de Cristo, Sua prisão e o caminho para o Calvário. É a redenção do Homem.
Não há como "ver" os detalhes sem ampliá-los, o que é impossível aqui. Recomendo vivamente que copiem a imagem e a ampliem. Ou, melhor ainda, a compra de um livro da Taschen. Não costumam ser caros e é obra para ser revista muitas vezes.
Óleo sobre painéis de madeira. O central mede 131,5 x 119 cm e os laterais 131.5 x 53 cm.

Acervo Museu de Arte Antiga de Lisboa, Portugal

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