quinta-feira, 21 de junho de 2012

A falta de ambição da Rio + 20, por Miriam Leitão



Miriam Leitão, O Globo
Ambição foi, até agora, a palavra mais falada no Riocentro. Mais especificamente, a falta de ambição. O governo acha que perdeu a batalha da comunicação, e que os jornalistas não estão vendo os avanços que teriam ocorrido na Rio+20. Antes fosse apenas uma questão de avaliação da imprensa. É generalizada a reclamação: das ONGs, do presidente François Hollande, do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
O presidente francês veio, em começo de mandato, com a Europa em crise, e disse que sua presença aqui era para assumir uma responsabilidade pública. Viva a diferença. A líder alemã, Angela Merkel, estava no México e não veio porque não quis. O presidente Barack Obama, também.
Na segunda-feira, num dos vários momentos de falta de sinceridade que reuniões diplomáticas sempre propiciam, o negociador-chefe dos Estados Unidos, Todd Stern, disse à imprensa que “desenvolvimento sustentável é um dos pilares da segurança nacional americana” e que o governo Obama o considera um tema muito importante. A CNN perguntou em seguida: “Se é assim tão importante por que o presidente Obama não veio?” A resposta foi um contorcionismo vazio que nem vale a pena transcrever.
A verdade é que os Estados Unidos foram responsáveis por um parágrafo aguado sobre oceanos. A expectativa era de decisão de criação de áreas protegidas em águas internacionais. A marinha americana, dona da maior frota do mundo, não aceitou. Teme que isso atrapalhe suas movimentações para a defesa do que eles acham que é realmente segurança nacional.
Foram também os Estados Unidos que se opuseram à criação de uma agência na ONU de meio ambiente porque acham que isso imporá a eles limitação externa nesta área, da mesma forma que já tiveram várias derrotas na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Na questão ambiental, o mundo se divide de forma bem diferente do que a tradicional ideia dos ricos versus pobres. Tanto que o presidente François Hollande disse na entrevista que um dos pontos em que houve falta de ambição foi exatamente na criação de um órgão com mais poderes e que agregue todos os assuntos ligados aos temas ambiental e climático.
Segundo Hollande, sempre que se tenta incluir algum tema ambiental nas reuniões do clima, o tema é retirado por não fazer parte do escopo da convenção. Por isso, ele reafirmou a necessidade de uma agência da ONU com poderes reais. Tudo o que o texto estabelece é a ampliação do número de participantes do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Era restrito a um grupo de países e passará a ser universal.
Isso é bom, mas muito pouco. “Não temos uma agência, mas eu não perdi a esperança. Vou continuar a lutar por isso”, disse o presidente francês.
Hollande também reclamou de não se fechar uma proposta clara e objetiva de financiamento. Voltou a defender a velha posição da França de se criar um imposto sobre transações financeiras para ajudar a financiar os países mais pobres. Aqui também ele reclamou de faltar ambição.
A resposta veio na entrevista diária do Brasil à imprensa, quando o embaixador Figueiredo não podia ser mais claro do que foi: “Não se pode ter ambição de ação sem ambição de financiamento. Quem exige um sem o outro está sendo, no mínimo, incoerente.”
A tréplica esteve no discurso do presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, que delicadamente lembrou que a União Europeia e seus membros continuam sendo o maior doador de recursos aos mais pobres na busca das “prioridades do Rio”.
As mais de mil ONGs pediram, em plenário, para se tirar do texto a afirmação de que foram ouvidas. A estrutura escolhida pelo Brasil, de primeiro fechar o documento e consagrá-lo como impossível de ser reaberto para o debate, desperdiçou o momento político do encontro dos chefes de Estado e revogou qualquer ambição que por acaso houvesse.
Os governantes ficaram na estranha situação de virem ao Rio apenas para tirar a foto e fazer a habitual sucessão de discursos. O que rebaixa os chefes de Estado a uma coleção de rainhas da Inglaterra. Eles vêm apenas para carimbar o que seus negociadores decidiram.
Esta é a maior reunião da ONU já feita. Pedida e preparada pelo Brasil. O tema é urgente. A necessidade de cruzar a questão ambiental com a econômica e social é imperiosa. A utilidade de ter uma agência como a Organização Mundial de Comércio na área ambiental e climática, que concentre os temas, é óbvia. Não é hora de perder tempo em definir o que é economia verde, porque todos sabem o que não é sustentável e quais são as inúmeras ações na transição para uma economia de mais baixa emissão de carbono.
Apesar de ser a reunião certa, na hora certa e no local certo, o Brasil — com o enorme poder de influência que tem o país sede — escolheu este caminho de fechar com três dias de antecedência, e passar a chave, num documento que é visto como fraco. Não pela imprensa, mas pelos próprios governantes.
A reunião desperdiça seus preciosos dias finais com formalidades. A Conferência está terminando, como definiu Hollande, “abaixo das nossas responsabilidades e de nossas expectativas”.

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