Como tanta gente (de uma certa idade), eu me lembro do dia em que John Kennedy foi assassinado em 1963. Eu tinha 6 anos. Mas meu primeiro presidente americano foi o sucessor Lyndon Johnson, que eu via no Repórter Esso e sobre o qual lia no Estadão. E não dá para deixar de acompanhar até hoje o trígésimo-sexto presidente americano (governou de novembro de 1963 a janeiro de 1969). Culpa de Robert Caro.
Ele acaba de lançar o quarto volume de sua biografia épica sobre Johnson (The Passage of Power), o texano que ascendeu da pobreza para liderar o país mais poderoso do mundo, nos dias tumultuados dos assassinatos dos irmãos Kennedy e Martin Luther King, da guerra do Vietnã e de legislações históricas nos direitos civis e sistema social.
Caro é obcecado pelo objeto do seu estudo. Imagine, quando eu cheguei aos EUA para estudar em 1982, o historiador estava lançando o primeiro volume. As resenhas do novo livro (a no New York Times foi escrita por Bill Clinton) são acompanhadas de intermináveis perfis sobre a obsessão e as manias de trabalho de Caro, que vive enfiado no que chama de “bunker”, seu escritório em Manhattan, atulhado de prateleiras de livros e fichários com dados. Avesso a computador, ela ainda escreve o rascunho a mão e depois, mais moderno, refina na máquina de escrever Smith-Corona.
Caro já publicou mais de três mil páginas sobre Johnson, que no clichê apropriado era maior do que a vida. Com 1m95, era um político que usava do seu tamanho para intimidar e dissuadir. Johnson era vingativo, emotivo, realizador, destruidor, generoso, mesquinho, corrupto, corruptor, cruel e solidário. Era poderoso e inseguro. Herói de causas domésticas (de racista cru se transformou em paladino dos direitos civis) e vilão (Vietnã). Havia o good Johnson, o badJohnson.
Caro é apaixonado por seu objeto de obsessão, o que não o mesmo que dizer que goste dele. Para Caro, o que fascina em Johnson é o fato de ter sido na segunda metade do século 20 a figura política americana que melhor entendia o poder político.
O épico de Caro sobre Johnson é um estudo sobre o poder, como adquiri-lo e como usá-lo, mas este quarto volume em particular é um estudo sobre o ódio. Era mútuo entre o ex-presidente e Robert Kennedy. E Johnson desprezava John Kennedy, o qual considerava um “diletante”. Sim, o senador diletante que deu uma rasteira na raposa do Senado, faturou a indicação do Partido Democrata nas eleições de 1960 e o seduziu para ser companheiro de chapa, para o desalento do irmão mais novo, que tentou abortar a dobradinha. Bob Kennedy disse que o dia da indicação presidencial do irmão fora o melhor de sua vida. O pior, quando Johnson se juntou à chapa.
Foi um casamento arranjado. Kennedy precisava de Johnson para vencer no sul e o político texano fez as contas: nos 100 anos anteriores, cinco em dezoito presidentes tinham morrido no cargo. Logo, sua chance de ocupar o posto principal estava acima de 20%.
O quarto volume começa com a campanha presidencial de 1960, quando Johnson foi manobrado por John Kennedy, e termina com o grande legado do trigésimo-sexto presidente: a assinatura do Ato dos Direitos Civis em 1964. Político inescrupuloso e de princípios, o democrata Johnson estava consciente que enterrar a segregação racial significava perder amplas parcelas do eleitor branco do seu partido no sul do país para os republicanos. Dito e feito.
O quinto e último volume vai cuidar, entre outras coisas, da escalada fatal no Vietnã. Inseguro por natureza e alquebrado pelo choque da guerra, Johnson optou por não concorrer à reeleição no turbulento ano de 1968. Voltou para o rancho no Texas, onde morreu em 1973. Caro tem 76 anos. Promete o último volume de sua saga para dentro de dois ou três anos. Cada volume costuma levar de oito a dez anos para sair daquele “bunker” em Manhattan.
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Colher de chá para Magno (dia 11, 11:09) e Celio (dia 11, 16:35), por comentários que captaram as contradições do Johnson.
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