quinta-feira, 16 de julho de 2015

Quando setembro chegar - José Roberto de Toledo


Sob condições normais de temperatura e pressão, deputados e senadores costumam priorizar leis, emendas e remendos que favoreçam a perpetuação da espécie. É biológico. Agora coloque-os sob uma investigação a jato. Tome suas Ferraris, prenda seus financiadores, importune seus familiares e vasculhe suas gavetas. A resposta será uma só: exacerbar seu já aguçado e egoístico instinto de sobrevivência. O que era ruim fica pior.
Reformam a legislação eleitoral para facilitar sua reeleição. Proíbem o eleitor de ter acesso às pesquisas eleitorais que eles próprios contratarão para saber quem está na frente. Mas isso é quase um detalhe, em comparação ao resto.
O alvo final da reação é o governo. Projetos importantes para o Executivo viram, automaticamente, moeda de troca para tentar diminuir a pressão sobre os congressistas. As medidas para controlar os gastos públicos e, mais à frente, tentar retomar o crescimento da economia passam a enfrentar resistência dobrada tanto da oposição quanto de supostos aliados. Ministro da Fazenda, Joaquim Levy coleciona desaforos. Mas não só ele. 
Os parlamentares intimam o ministro da Justiça a controlar o incontrolável. José Eduardo Cardozo não consegue interferir nos rumos da Lava Jato, queira ou não. A Polícia Federal e esse inquérito em especial têm mais do que autonomia, têm independência, vida própria. Goste-se ou não, é fato. 
A convocação do ministro é mais um blefe do que uma quadra de reis. Esconde o jogo real dos donos do Congresso: impedir a recondução de Rodrigo Janot como procurador-geral da República. Talvez o 14 de Julho de Janot – que já investira contra Renan Calheiros (PMDB) e, na terça-feira, voltou-se contra Fernando Collor (PTB), Fernando Bezerra (PSB) e Ciro Nogueira (PP), entre outros – tenha sido sua guilhotina. Se for barrado, o procurador já tem uma boa explicação: terá sido cassado por sua caça.
Mesmo que esteja entre os mais votados pelos procuradores, Janot ainda precisa ser indicado por Dilma Rousseff e aprovado pelos senadores (14 dos quais ele investiga). Isso acontecerá em setembro, quando termina seu mandato. No calendário dos salões e balcões brasilienses, setembro é o mês em que a presidente estará lutando por sua cadeira. Será logo após a Câmara confirmar a eventual reprovação de suas contas – o que, em tese, permitiria a abertura de processo de impeachment contra Dilma.
Será sob essa lâmina que ela terá que tomar a decisão de apresentar ou não o nome de Janot para o Senado referendar. Se não o fizer, Dilma arcará sozinha com todas as acusações de tentativa de abafar as investigações da Lava Jato. Se peitar os aliados do PMDB, fragilizará ainda mais sua já precária situação no Congresso e poderá somar contra si os fatais 342 deputados – número mínimo de votos para impedir o presidente da República. E, mesmo assim, Janot ainda poderia ser indeferido pelo Senado.
Como se vê, o que está ocorrendo no Congresso é um movimento articulado de sobrevivência dos presidentes das duas Casas, de dezenas de deputados e senadores investigados e de centenas de outros que devem ser implicados na Lava Jato. Levantamento do Estadão Dados mostra que 199 deputados estaduais, 178 deputados federais, 17 governadores e 16 senadores têm financiadores de suas campanhas eleitorais presos pela Polícia Federal.
Não é pouca coisa, sob nenhum aspecto. Os empreiteiros detidos doaram R$ 64 milhões para deputados federais e senadores eleitos. Não se trata apenas de honrar o investimento, mas do que eles podem contar a Janot além do que já falaram até agora. Ou o que eles não revelarão, se o procurador-geral for outro.
Por isso, quando setembro chegar, Janot vai estar junto a Dilma. Na mesma berlinda e enfrentando os mesmos adversários. Seus destinos poderão se cruzar em uma cerimônia de posse ou no aeroporto de Brasília.

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