Poucos dias atrás um trabalhador de Brasília foi pilhado em flagrante e preso por furtar alguns quilos de carne para seus familiares. O ato provocou um sentimento humanitário e solidário dos policiais que se apressaram a pagar a fiança, e manter em liberdade o infrator, além de dezenas de pedidos voluntários de ajuda, agora consumados num emprego, já que a bolsa social daquele cidadão estava em atraso. O mais importante a ser mostrado no escrito e que já pode desencadear um comportamento distante da justiça se refere à turma do bilhão pega na contramão na lava jato e solta para permanecer em casa com tornozeleira e longe do regime prisional.
Eis o retrato mais agudo do Brasil: o furto famélico de carne para o sustento da família conduz imediatamente à cadeia, ao passo que o roubo escancarado, despudorado, desavergonhado e desassombrado de bilhões de dólares, de forma continuada, aquilata a chance de permanecer em liberdade e aguardar o julgamento com um simples mecanismo de controle remoto pela Justiça, a qual já começa a dar passos nessa interpretação com casos de solturas de outros indiciados que adulteraram produtos químicos, ao fundamento do prejuízo irrelevante diante do mega escândalo feito na estatal.
A simbologia é emblemática e permite concluir que o patrimônio privado é sempre bem protegido pela legislação. Basta vermos as penas aplicadas para o crime de roubo, acima de cinco anos, sem permitir sequer o regime diferenciado, enquanto em relação ao patrimônio público quanto mais se rouba e achaca maior a impunidade e as perspectivas de se acompanhar o julgamento de longe.
Somos uma República deformada, na medida em que os grandes roubos praticados acabam na impunidade ou invariavelmente em penas menores. Do mensalão ainda restam alguns, mas a nobre classe política já está em regime domiciliar ou extinta a sua punibilidade, enquanto aquele furtador de carne para saciar a fome da família, em mercado perto de Brasília, sem maiores formalidades, foi conduzido ao cárcere e não tendo dinheiro para ser solto mediante fiança, teve que se valer de agentes que doaram o valor para um completo sentimento de piedade no caso concreto.
Essa anomalia e disfunção da norma não pode mais prevalecer, eis que o patrimônio público é da sociedade e difere substancialmente da propriedade privada, haja vista que, guardadas as devidas proporções, se torna bem mais simples recuperar a coisa particular do que de ordem coletiva. E tanto é verdade que os bilhões sumidos durante décadas da gloriosa estatal até hoje tiveram um retorno menor do que 5% dos valores, o que implica numa imensa perda já reconhecida no próprio balanço da sociedade de economia mista.
Enquanto formos o país da roubalheira, da impunidade, e da mediocridade que mais emburrece sua população e entope a programação midiática com besteirol incomum, teremos que enfrentar, mais cedo ou mais tarde, a realidade do bifão e do bilhão.
O primeiro para matar a fome da família. O outro é para deixar a família brasileira morrer à míngua com o surrupiar de bilhões dos contribuintes, agora sujeitos aos novos ajustes fiscais e a perda de direitos e garantias constitucionais.
Mais uma vez o péssimo exemplo de que o eixo pendular é severo em pouco valor e frouxo quando se trata de criminosos de porte e valores vultosos. Sem mudar essa realidade circunstanciada o Brasil não emerge para se transformar em Pátria global.
Nenhum comentário:
Postar um comentário