terça-feira, 17 de março de 2015

‘Doações’ ao PT vinham de pagamentos da Petrobrás, diz MPF



Denúncia contra o ex-diretor de Serviços Renato Duque e o tesoureiro petista João Vaccari traz tabela com cruzamento das datas das liberações de recursos da estatal para cartel e dos repasses ao partido

Por Ricardo Brandt, enviado especial a Curitiba, Fausto Macedo e Julia Affonso
Estadão

A comparação entre as datas de pagamento da Petrobrás para os consórcios Interpar e Intercom (formados pela Mendes Jr, MPE e SOG) nas obras de reforma de duas refinarias entre 2008 e 2010 e as datas de doações para o PT por uma das empreiteiras é considerada uma das provas de que o sistema oficial de financiamento partidário foi usado para tentar ocultar propinas. É o que sustenta a força-tarefa da Operação Lava Jato em sua denúncia de ontem contra o ex-diretor de Serviços Renato Duque e o tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto – por corrupção e lavagem de dinheiro.

Os dois nomes petistas da estatal e outros 25 denunciados são apontados no desvio de R$ 135 milhões em quatro obras: na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná, na Refinaria de Paulínia (Replan), no Gasoduto Pilar-Ipojuca (Alagoas-Pernambuco) e no Gasoduto Urucu-Coari (Amazonas).

“A vinculação entre as doações políticas e os pagamentos feitos pela Petrobrás aos Consórcios Interpar e Intercom pode ser comprovada pela comparação entre as datas em que a Petrobrás pagou os consórcios e as datas, subsequentes, em que empresas controladas por Augusto Mendonça promoveram a transferência de propina disfarçada de doações oficiais para partido político”, sustenta a denúncia do MPF.

Foto: Sérgio Castro/Estadão
Foto: Sérgio Castro/Estadão

Mendonça é o dono da Setal Engenharia. Integram o grupo a Setec, Projetec, Setal Óleo e Gás (SOG) e PEM Engenharia. Por meio delas teriam sido escoados R$ 117 milhões das obras das duas refinarias (Repar e Replan).

Desse montante, R$ 4,26 milhões foram parar nas contas de quatro diretórios do PT, entre 2008 e 2012, afirma a Lava Jato. Foram beneficiados: o Diretório Nacional, o Diretório da Bahia, o Diretório Municipal de Porto Alegre e o Diretório Municipal de São Paulo. Os pagamentos foram prioritariamente para o PT nacional, com liberações mensais.

Os primeiros pagamentos relacionados à doação que seria disfarce para pagamento de propina são de outubro de 2008 e estão relacionados em tabela anexada na denúncia do MPF ao pagamento de R$ 100 mil no dia 23, daquele mês, ao PT-Bahia.

Em 2009, a lista mostra um pagamento de R$ 14,9 milhões, no dia 29 de abril, para o consórcio Interpar (Mendes Jr, MPE e SOG). No dia 30 foi feita transferência da Setal de R$ 120 mil para o Diretório Nacional do PT.

Em julho de 2010, quando era dada oficialmente a largada para a eleição da presidente Dilma Rousseff, pela primeira vez, há registro de dois pagamentos da Petrobrás, um de R$ 703 mil para o Consórcio Interpar, e R$ 105 mil para o Consórcio Intercom, ambas no dia 8.

No dia 12 o PT nacional receberia R$ 60 mil da empresa SOG. O maior valor doado pelas empresas de Mendonça ocorreu no dia 7 de abril de 2010, quando foram repassados para o Diretório Nacional do partido R$ 500 mil pela PEM Engenharia.

Por meio de quatro empresas de Mendonça foram feitas 24 doações eleitorais para o PT, entre 2008 e 2010. Primeiro executivo a fazer delação com a Lava Jato, em 2014, ele confessou que pagou propina “acertadas com Renato Duque” em forma de doações.


Veja tabela que integra denúncia do MPF contra Duque e Vaccari

Veja tabela que integra denúncia do MPF contra Duque e Vaccari

“Houve 24 doações eleitorais feitas ao longo de 18 meses por empresas vinculadas ao grupo Setal para pagamento de propina ao Partido dos Trabalhadores. Essas doações eleitorais foram feitas a pedido de Renato Duque e eram descontadas da propina devida à diretoria de Serviços”, declarou o procurador.

“João Vaccari indicava as contas dos diretórios, onde deveriam ser feitos esses depósitos”, sustenta o MPF. “Temos evidência de que João Vaccari Neto tinha consciência de que esses pagamentos eram feitos a título de propina, porque ele se reunia com regularidade com Renato Duque para acertar valores devidos”, explicou o procurador.

O tesoureiro foi denunciado por corrupção passiva – por conta dos desvios em obra da Petrobrás – e lavagem de dinheiro – por causa das doações partidárias.

Delações. O empresário e operador de propinas Augusto Mendonça afirmou à Lava Jato que fez “supostas ‘doações’, que eram pagamentos de propina, a pedido de Renato Duque e com o auxílio de João Vaccari”.

“Cada pagamento era deduzido do montante de propina devido. O momento das propinas e os valores eram indicados por Renato Duque, enquanto as contas e Diretórios do PT que recebiam os pagamentos eram indicados por João Vaccari”.

COM A PALAVA, JOÃO VACCARI

O tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, negou nesta segunda feira participação em esquema de pagamento de propinas para seu partido. Em nota, o criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso, que defende Vaccari, destacou que o tesoureiro “repudia as referências feitas por delatores a seu respeito, pois as mesmas não correspondem à verdade”.

“Ressaltamos que causa estranheza o fato de que o sr. Vaccari não ocupava o cargo de tesoureiro do PT no período citado pelos procuradores, durante entrevista no dia de hoje, uma vez que ele assumiu essa posição apenas em fevereiro de 2010.”

Pela defesa, Vaccari informou que “repudia as referências feitas por delatores a seu respeito, pois as mesmas não correspondem à verdade”.

“Ele não recebeu ou solicitou qualquer contribuição de origem ilícita destinada ao PT, pois as doações solicitadas pelo sr. Vaccari foram realizadas por meio de depósitos bancários, com toda a transparência e com a devida prestação de contas às autoridades competentes. O sr. Vaccari permanece à disposição das autoridades para todos os esclarecimentos necessários, como sempre esteve desde o início dessa investigação.”

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