Acuada pelo maior protesto da história democrática do País contra um governo, a presidente Dilma Rousseff decidiu reaparecer, discursar e tentar disfarçar o abatimento em uma entrevista em Brasília. Tanto no pronunciamento, destinado à cerimônia de sanção do novo Código de Processo Civil, quanto nas respostas às perguntas de jornalistas, a única novidade foi a mudança no tom: a exemplo da fala de ministros mais cedo, palavras como “humildade” e “diálogo” foram incorporadas no vocabulário da petista nesta segunda-feira. Dilma voltou a defender a aprovação do ajuste fiscal, prometeu entregar seu pacote atrasado anticorrupção e fez um apelo: “Vamos brigar depois”.
Durante suas falas, a presidente visivelmente se esforçou para transmitir uma imagem mais leve: sorriu, brincou com jornalistas e até ensaiou admitir erros. Mas não tardou para algumas contradições surgirem: Dilma não resistiu, cutucou a oposição e tentou equiparar a passeata promovida pelos seus aliados – muitos pagos para comparecer ao ato – na sexta-feira aos milhares de brasileiros que foram às ruas no domingo.
A confissão parcial de que seu governo errou foi feita em entrevista coletiva, quando a petista analisava o cenário de instabilidade econômica. Dilma lembrou que o governo aplicou todos os recursos, no primeiro mandato, para enfrentar a crise financeira internacional, e disse que agora é preciso fazer um ajuste para corrigir os rumos. Quando questionada sobre a responsabilidade do governo sobre o desequilíbrio, ela afirmou: “É possível que a gente possa ter até cometido algum (erro). Agora, qual foi o erro de dosagem que nós cometemos? Nós gostaríamos muito que houvesse uma melhoria econômica de emprego e de renda. Tem gente que acha que a gente devia ter deixado algumas empresas quebrarem e muitos trabalhadores se desempregarem. Eu tendo a achar que isso era um custo muito grande para o País. Agora que é possível discutir se podia ser um pouco mais, um pouco menos, é possível discutir”, disse ela. Mas, em seguida fez um contraponto: “Ninguém pode negar que nós fizemos de tudo para a economia reagir”.
Crise política – Em sua entrevista, como havia feito minutos antes no discurso que fez ao sancionar o novo Código de Processo Civil, a presidente afirmou que o governo está disposto a fazer um diálogo amplo e com “humildade”.
Embora tenha dito que as manifestações são um direito do regime democrático, Dilma também fez uma espécie de apelo pela união nacional: “Vamos brigar depois. Agora vamos fazer pelo bem do Brasil tudo aquilo que tem que ser feito pelo bem do Brasil”, declarou. No mesmo tom, ela disse que é preciso evitar a desestabilização das instituições: “Tem regras do jogo e elas têm que ser seguidas. Se você instabiliza um País sempre que lhe interessa, uma hora essa instabilidade passa a ser algo que ameaça a todos. A escalada é a pior situação que tem”, afirmou.
A presidente também fez elogios ao PMDB e ao vice-presidente, Michel Temer. O partido de Temer tem se distanciado do PT e reclama da falta de espaço no governo: “Longe de nós querer isolar o PMDB”, afirmou a petista.
Dilma Rousseff comentou ainda a afirmação, dada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), segundo quem a corrupção está no Executivo, e não no Legislativo. A presidente discordou: “Eu acho que essa discussão não leva a nada. A corrupção não nasceu hoje. Ela não só é uma senhora bastante idosa nesse país como ela não poupa ninguém. Pode estar em tudo quanto é área, inclusive no setor privado”, declarou.
Economia – Diante da crise econômica, Dilma adotou um discurso otimista. Ela afirmou que não é possível manter as políticas anticíclicas no formato que foram adotadas no primeiro mandato, mas disse que o ajuste fiscal vai fazer efeito. “Esse esforço vai ser ao longo deste ano, mas o Brasil tem todas as condições de sair em menos tempo do que em qualquer outra circunstância”, afirmou.
Duque e Vaccari – A presidente da República disse não acreditar que a prisão do ex-diretor da Petrobras, o petista Renato Duque, e o indiciamento dele e do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, tenham reflexos sobre o governo. “Eu não acredito. Esses acontecimentos mostram que todas as teorias a respeito de como é que o governo interferiu sobre o Ministério Público ou quem quer que seja para investigar ou fazer qualquer coisa com quem quer que seja são absolutamente infundadas”, afirmou.
Fies – Além de reconhecer a possibilidade de erros na economia, Dilma admitiu que o governo errou na condução do Fies, o programa de financiamento estudantil. Segundo ela, foi inadequado ceder às universidades o controle sobre a contabilização das matrículas. “O governo cometeu um erro. Passou para o setor privado o controle dos cursos. Nós não fizemos isso com o Prouni, não fazemos isso com o Enem, não fazemos isso com ninguém”, declarou. A presidente disse que o governo já começou a resolver a falha.
Ao comentar a postura de “humidade” prometida pelo governo, Dilma não quis fazer um mea culpa. “Tem uma certa volúpia da imprensa em querer uma situação confessional. Não tem na minha postura nenhuma situação confessional (…) Isso aqui não é um auto de confissões, vocês vã concordar, é uma entrevista”. Depois, completou: “Se alguém achar que eu não fui humilde em algum diálogo, me diga qual e aí eu tomo providências. Caso contrário, seria um absoluto fingimento da minha parte”.
A coletiva desta segunda-feira foi a mais longa registrada nos últimos meses: durou quase meia hora. Por Reinaldo Azevedo
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