domingo, 11 de janeiro de 2015

O garçom Bolinha


Uma história que você, empreendedor, vai querer ler


Paulo Rabello
iStock
A história que vou lhes contar me foi compartilhada por um querido amigo oliveirense (da grande Oliveira/MG) cujos filhos mais fanáticos consideram açambarcar até a capital Belo Horizonte. Este que é hoje um dos empresários de maior destaque no complicado cenário econômico brasileiro, um líder de ideias claras e de uma enorme coragem para enfrentar riscos, um dia foi apenas mais um entre milhões de jovens empregados por salário mínimo, batalhando para sobrar algum tostão no final do mês, dando duro na então quase bucólica capital dos mineiros, para onde viera para tentar a vida. As dificuldades, por óbvio, não eram poucas para um iniciante sobreviver naqueles longínquos anos 1960. Mas a criatividade na superação dos desafios era maior ainda para o nosso protagonista. Ele, com um fiel colega de serviço, desenvolvera um jeitinho especial de melhor encerrar o dia de trabalho. Era numa lanchonete no centro da cidade, do tipo pé-de-chinelo, aonde iam se sentar, quase diariamente, à última mesinha imprensada no corredor, entre a cozinha que exalava o cheiro pesado de gordura frita e o odor impossível de ser descrito vindo pela porta do banheiro sem tranca.
A lanchonete e o lugar onde os amigos se acomodavam não ensejavam nada que valesse a pena. Mas, para dois rapazes duros e famintos, havia ali um jeito secreto de fazer o feio virar bonito, pela solidariedade de um chapa, o garçom Bolinha. Ao chegarem, não faziam pedido à cozinha. Sentavam-se e iam jogando conversa fora, com a mesa vazia de comida. Mas Bolinha estava pronto para servi-los. De uma maneira singela e genial. Aos poucos, ia municiando os garotos com aqueles dois dedos de cerveja deixados no fundo da garrafa pela mesa ao lado, que Bolinha discretamente largava, na volta à cozinha, para os garotos bebericarem até a última gota. Depois vinham três batatinhas fritas deixadas na travessa ou a coxinha de frango ainda deitada sobre a alface no prato de servir de algum outro cliente apressado. E, desse jeito afável, os dois famintos trabalhadores iam matando a fome enquanto davam destino à comida e bebida, ambas boas e limpas que, de outro modo, teriam destino certo no lixo ou no ralo da pia da cozinha. Os amigos se refestelavam. E não raro saíam completamente alimentados e satisfeitos da lanchonete do Bolinha, sem terem desembolsado um único centavo.
Cada um de nós que não tenha nascido em berço de ouro ou vivido uma vida artificial de mimos e abundância permanentes, certamente, tem um episódio como esse para contar. Diz respeito à solidariedade de uns e ao espírito de economia e à vontade de vencer de nós todos. Fala de ter respeito aos bens materiais postos à nossa disposição, por mais ínfimos que sejam. Lembra a enorme vantagem de se fazer uso eficiente dos recursos disponíveis, mesmo que não nos pareçam escassos hoje pois, como a água, poderão nos faltar um dia. E serve de meditação para a enorme falácia em que vivemos, num País em que os poderes públicos, reunidos nas três esferas de governo, gastam mais de 40% da produção nacional anual (o PIB do Brasil) para executar a tarefa de condominiar os interesses gerais da nação, com a desfaçatez de alegar, não obstante o exorbitante dispêndio de quase metade da renda total do País, que atividades essenciais, como saúde ou educação, não serão prestadas com a qualidade esperada porque “há muita falta de recursos”.
O desperdício público é uma praga nacional. Governo após governo, políticos extraem mais verba de quem produz para seu autoconsumo alegando necessidade premente para tarefas vitais do Estado, perpetuando a mentira oficial. A consequência do governo que não para de crescer é a economia produtiva que não para de minguar, junto com os investimentos, cada vez mais incertos e escassos. Dilma, que um dia quis defender os pobres, não segue o exemplo singelo do Bolinha, dando respeito aos clientes que pagam a conta da lanchonete, nem mostrando sensibilidade para os que pouco podem pagar. O governo perdeu bom-senso. Não vai a lugar nenhum e isso ficou patente no vazio discurso de posse. Precisamos de um grande “efeito Bolinha” no governo!
Usar bem, com critério e solidariedade, aquilo de que dispomos é a regra essencial para a prosperidade numa sociedade vigorosa e justa. Prefiro a fórmula economizadora e solidária do garçom Bolinha. O Brasil precisa de mais Bolinha e de muito menos Brasília. No seu discurso de posse, para o mandato derradeiro, Dilma errou o alvo ao colocar o governo como ente que “resolverá” a questão nacional, acenando com novos e desconhecidos remédios públicos para combater a debilidade e as dificuldades das empresas e das famílias brasileiras. É um enfoque totalmente equivocado. Empresas e famílias só estão financeiramente enfermas por efeito dos desmandos fiscais do próprio governo. A doença, não a cura, está no governo gastador, perdulário, egoísta e mau administrador de recursos. A economia da lanchonete do Bolinha tem muito mais a nos ensinar do que o ministério da Fazenda. Pelo contrário, é ela quem paga a conta dos bacanas que gerem o orçamento público mais inchado do planeta, na comparação com dezenas de países emergentes. Se Bolinha tivesse subido a rampa do Planalto, pelo menos, não faltaria batata frita.
Artigo publicado pelo autor originalmente no jornal A Tarde.

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