segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Soneto da Educação


Um diagnóstico da nossa educação em uma conversa com o primeiro ministro da área na era Lula

RUTH DE AQUINO
12/09/2014 20h58


De repente, não mais que de repente, fez-se de inteligente o ignorante, fez-se de próximo o distante, fez-se da educação uma aventura edificante. De repente, todos os candidatos à Presidência só falam naquilo: educação. O primeiro ministro da Educação da era petista, Cristovam Buarque, pressionou Lula a fazer a revolução que, hoje, todos prometem. Caiu por isso. A seguir, uma conversa com ele, hoje senador. Para quem tem memória curta.
ÉPOCA – Educação virou “prioridade” no horário eleitoral. Por que a súbita obsessão retórica?
Cristovam Buarque – 
A realidade mostrou que educação é fundamental não só para cada indivíduo, mas para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Sem isso, a economia fica para trás, produzindo bens primários e importando bens de alta tecnologia.
ÉPOCA – O que deu certo e errado nos 12 anos de governo do PT?
Cristovam –
 Deu certo o lento avanço na universalização, não deu certo o salto necessário para a qualidade. A escola, ampliada, ficou para trás. Três brechas se aprofundam: entre a educação no Brasil e noutros países, entre a educação dos ricos e dos pobres, entre as necessidades de educação e o que a escola oferece.
ÉPOCA – Por que o senhor saiu do governo?
Cristovam – 
O presidente Lula cansou de algumas falas minhas. No último encontro, eu lhe disse que não fazíamos o dever de casa para mudar a economia. O desinteresse político de Lula pelo longo prazo o levou a gestos imediatos no ensino superior, sem dar atenção à educação de base. O resultado foi aumento no ensino superior, com qualidade desastrosa. Lula temia minha reação à mudança da Bolsa Escola para Bolsa Família, que perderia a conotação educacional, ao sair do MEC para o Ministério do Desenvolvimento Social. Lula usa espertamente a ideia de que é possível saltar para a universidade, sem passar pela educação de base. E esse discurso, mesmo que demagógico, dá votos, como se comprova.
ÉPOCA – Quais foram suas maiores frustrações como ministro?
Cristovam –
 Primeiro, a suspensão do programa para a erradicação do analfabetismo, logo depois que saí. Também a paralisação do programa Escola Ideal, embrião da Federalização da Educação de Base. E os projetos que ficaram na gaveta da Casa Civil, entre eles o Programa de Apoio ao Estudante, que depois virou Prouni.

ÉPOCA – Que nota daria ao PT, com base em nossos indicadores educacionais?
Cristovam – 
É fácil: a mesma nota do Ideb. Menos de 5: reprovado. Se tivéssemos levado adiante a proposta de adotar as escolas de cidades pelo governo federal, hoje já teríamos 3 mil cidades com educação de alta qualidade.
ÉPOCA – O que acha da aprovação automática?
Cristovam –
 Uma medida errada. É como dar alta ao doente, porque ele ficou um tempo determinado no hospital, sem ao menos tomar a pressão dele. Serve apenas para mostrar diminuição no número de doentes.
ÉPOCA – O que acha das cotas raciais?
Cristovam –
 Sou a favor, como medida paliativa, necessária para mudar a cor da cara da elite brasileira, enquanto se faz o certo e definitivo: negros e brancos, pobres e ricos em escolas com a mesma qualidade.
ÉPOCA – Algum modelo estrangeiro é inspiração para uma revolução na educação?
Cristovam –
 Os melhores exemplos de países que partiram de níveis parecidos são Coreia do Sul e Irlanda. Para acabar com a vergonha em todas as escolas de uma cidade, bastam poucos anos. Para fazer a mudança em todas, mais de 20.
ÉPOCA – Que metas devem ser perseguidas?
Cristovam – 
O governo federal deveria escolher e adotar escolas de cidades e implantar um novo sistema para substituir o atual. As escolas federais, melhoradas, podem ser um padrão a espalhar. Uma revolução na educação de base custaria 6,4% do PIB. Um grande programa para a população adulta, entre 9% e 10%. Espero um presidente que diga: “Só descansarei quando nenhuma família precisar de Bolsa Escola”.
ÉPOCA – O senhor diz que a violência na escola é produto da desvalorização do magistério. Como valorizar o professor?
Cristovam – 
Criando uma Carreira Nacional dos Professores, com salário capaz de atrair para o magistério os jovens mais brilhantes do ensino superior. Para isso, precisamos pagar R$ 9.500 por mês. Escolher esses professores de maneira rigorosa, exigir dedicação exclusiva e submetê-los a avaliações para substituir quem não tiver o desempenho desejado. Fazer escolas bonitas e confortáveis, equipadas com a mais moderna tecnologia. Todas em horário integral.

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