quarta-feira, 30 de julho de 2014

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA Ariano Suassuna, Sertão e Mar


CARLOS VIEIRA
“Ora, existem alguns escritores brasileiros do Mar, e existem outros do Sertão, isto é uns são da Tigre marinha verde-azul, e outros do Jaguar-de-ouro sertanejo mosqueado de negro e de vermelho... Foi então para que se cumprissem as Profecias que eu tive esse ambíguo nascimento marinho e sertanejo, bifronte, dilacerado e contraditório, muito característico aliás, do enigmático Signo de Gêmeos que é o meu.” (O Rei Degolado: As infâncias de Qauderna, folheto 20.
Ariano foi e sempre será o homem que nasce na tragédia da morte de um pai (tinha três anos), João Suassuna, assassinato cometido por questões políticas na Governadoria da Paraíba. Poderia esse fato transformá-lo num cabreiro vingador, mas a educação que sua Mãe, Dona Maria Rita lhe deu, e a todos os filhos não apontavam para vingança, muito pelo contrário. O amor predominou sobre o ódio, o ressentimento não escolheu o ato vingativo para desfazê-lo. Certa ocasião, numa entrevista à TV, Ariano disse uma frase que me emocionou: “Até que enfim perdoei o matador de meu pai, e isso me tirou um grande peso e me fez mais livre.”
O “Cavalheiro Nordestino”, um Cervantes da nossa literatura, no meu entender, resolve passar sua vida “brincando” de escrever tragédias com parceria pitoresca, mostrando a cultura de um país, particularmente, a cultura  do sertanejo, da pedra, do reino encantado. Sua literatura, seu som Armorial, suas peças, principalmente o Auto da Compadecida, seus versos de Cordel e sua poesia alicerçaram e ficarão para sempre como elementos não menos importante para a formação cultural do nosso Brasil.
Braulio Tavares em seu livro – “ABC de Ariano Suassuna”, no capítulo dedicado à letra I, fala de inspiração, coisa que ele, Ariano Suassuna acreditava e seu companheiro e amigo João Cabral de Melo Neto abominava. Somos levados a considerar que a Arte de Suassuna seria pobre se não tivesse a dádiva da inspiração, que por sinal ele não chamava de inspiração – aproveitava Nô Caboclo, escultor pernambucano que dizia: “tudo que faço sai do córrego”. Então é esse “córrego” que todo artista tem de ter, do contrário ele não escreve. O próprio João Cabral, se não tivesse, não faria aqueles poemas extraordinários.
Ariano, o artista, o escritor, o dramaturgo e o gênio  de muitas artes era um eterno Saltimbanco. Sua alma circo se cristalizava em suas magníficas andanças por esse Brasil afora dando suas Aulas Espetáculos, onde, tal como o fazer artístico de Shakespeare, tinha a sabedoria e a astúcia de mostrar a tragédia da natureza humana através do belíssimo “palhaço” que era. Adriano era um Gênio e um Astuto. Suas aulas sempre traiam seus esquemas antecipados, o preparo das mesmas, pois, quando Suassuna subia ao palco, o que aparecia era a sua capacidade de improvisação, sua eterna forma de composição.
Rubens Tavares nos conta uma experiência transformadora em Ariano, e que teve importância na vida do dramaturgo tanto como a bravura e coragem de sua mãe. Certa vez disse a Dona Zélia na Fazenda Carnaúba(Taperoá), setembro de 2000 – “ Eu era um homem fechado, inclusive só escrevia tragédias, até eu conhecer Zélia. Eu digo sempre que a impressão que tenho é depois que eu conheci Zélia a minha alma se desatou, vivia trancada com um nó-cego e ela desatou esse nó.”
O Brasil, o país, a juventude brasileira perdem um guerreiro, um homem ousado, corajoso, tímido, afetivo. Do outro lado do seu ser, uma pessoa preocupada com a Cultura do Brasil, denunciando tudo quanto era preciso, e sempre, como andarilho, ensinando, dando aulas, falando aos jovens e adultos como se sua missão maior fosse “ensinar a viver”, atravessar esse caminho por entre veredas, sempre driblando a inevitável condição humana, a mortalidade. A morte morrida e a morte matada. Mas Ariano tinha sua arte, tinha seus arranjos para minimizar a angústia existencial de todos nós e a dele. 
Numa matéria que Gerson Camarotti publicou na Revista Época  dessa semana, Ariano , segundo Gerson: “...nunca negou que tinha dificuldade em falar da morte. Nenhum, disse Adriano, acredita na nossa própria morte.” Para ele, a arte era uma tentativa de buscar uma precária e bela mortalidade: “O poeta morre, mas, se fizer uma coisa bonita, ele fica. Esta é a busca de todo artista: a imortalidade por meio da arte. A arte é uma espécie de protesto contra a morte”.
Essa lição nos deixa o Mestre, que não gostava de ser chamado de Mestre: O ser humano precisa desenvolver uma área de criatividade para lidar com menos sofrimento pelo fato de ser mortal.
Ariano, encantado, agora, perto de Bandeira, João Cabral, Graciliano, José Lins do Rego e Euclides da Cunha, conversam mais à vontade sobre o Sertão, a alma do brasileiro, quem sabe, sem sentir a dor da Injustiça Social.
“...Da terra sai um cheiro bom de vida/ e nossos pés a Ela estão ligados./ Deixa que teu cabelo, solto ao vento,/ abrase fundamente as minhas mãos.../ Mas, não: a luz Escura inda te envolve,/ o vento encrespa as Águas dos dois rios/ e continua a ronda, o Som do fogo.
Ó meu amor, por que te ligo à Morte.”
Versos de Ariano Suassuna, do seu poema “Noturno”, incluído no livro  “O Pasto Incendiado”.
Aqui fica minha homenagem ao nosso “Cabreiro”, e como tenho enfatizado ultimamente: que os “pseudos escritores desse nosso País não deformem sua grande obra, com anuência e gastos de verbas públicas, liberada pelo MEC. para que os nossos jovens possam ler Adriano através das palavras do dicionário dos nordestinos.”
Carlos de Almeida Vieira - psicanalista e psiquiatra.

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